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Central do Timão

·17 aprile 2025

Investigação vê ingerências no FT e admite cambismo no Corinthians, mas delegado pede arquivamento

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  1. Por Larissa Beppler e Daniel Keppler / Redação da Central do Timão

Na última terça-feira, 15, o delegado Marcel Madruga, da Delegacia de Lavagem de Ativos Ilícitos por Meios Eletrônicos, vinculada à Divisão de Crimes Cibernéticos do DEIC (DCCIBER/DEIC), entregou o relatório final da investigação sobre cambismo e desvios de ingressos do programa Fiel Torcedor, do Corinthians. A Central do Timão recebeu o documento na íntegra e destaca, a seguir, os principais pontos apurados pela Polícia Civil.

O delegado ouviu diversas pessoas ao longo da investigação (confira os resumos das oitivas abaixo) e concluiu que não há evidências de invasões cibernéticas ao sistema do Fiel Torcedor. Por outro lado, o relatório aponta indícios de possíveis infrações cometidas por indivíduos às normas do programa, que não são, necessariamente, de responsabilidade da gestão alvinegra.


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Foto: José Manoel Idalgo/Agência Corinthians

Segundo o delegado, para que se caracterizem os possíveis crimes de cambismo e outros delitos contra os direitos do consumidor, as infrações precisam ser individualizadas. No entanto, essas apurações não são de competência da DCCIBER/DEIC, mas sim da Delegacia de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC). Por isso, ele recomendou o arquivamento do inquérito ao Ministério Público.

O texto de 15 páginas começa justificando a abertura do inquérito a partir da constatação preliminar de supostas irregularidades na “emissão, no desvio ou na obtenção indevida de ingressos” vinculados ao FT, com base em denúncias internas e Boletins de Ocorrência registrados por sócios do clube, que foram reunidos por Romeu Tuma Júnior, presidente do Conselho Deliberativo do Corinthians, e encaminhados às autoridades.

O delegado explicou no documento que, com base nesse material, foi possível comprovar a “existência de atividades ilícitas envolvendo a comercialização irregular de ingressos” em redes sociais e aplicativos de mensagem, além de identificar suspeitos envolvidos na prática de cambismo, os quais foram alvos de mandados de busca e apreensão pela Polícia Civil.

Resumo das oitivas

Na sequência, o texto resume as oitivas realizadas durante as investigações. Romeu Tuma Júnior afirmou às autoridades que, internamente, conseguiu identificar computadores usados no clube para processar e distribuir ingressos por fora do Fiel Torcedor, ressaltando ainda que, na sua avaliação e em tese, as funcionárias responsáveis seguem ordens da diretoria e não possuem conhecimento das irregularidades cometidas.

Outra pessoa ouvida foi Gabriela Rosa, coordenadora de atendimento do FT e subordinada a Lúcio Blanco, superintendente de operações da Neo Química Arena. Em um longo relato, ela afirmou que, há cerca de um ano, passou a receber ordens para realizar tarefas contrárias às normas do programa, sendo “hostilizada e destratada” por discordar dessas orientações. Também relatou que, nesse período, começou a receber denúncias de cambismo e do uso de robôs para reservas de ingressos no sistema do FT.

Com a ajuda de dois colegas de setor, Gabriela identificou Otávio Arliani como um dos cambistas beneficiados pelos desvios de ingressos. A denúncia foi feita a Fred Luz, que prometeu recursos para investigar o caso, o que não ocorreu. Em seguida, Gabriela procurou Marcelo Mariano e Lúcio Blanco, mas, segundo ela, nada foi feito.

Posteriormente, descobriu-se que Otávio era parente das funcionárias mencionadas por Tuma em sua oitiva, contra as quais, à época, em tese, nada pesava. Após essa descoberta, as denúncias contra o cambista chegaram ao presidente Augusto Melo. Pouco tempo depois, os funcionários que ajudaram Gabriela na investigação foram demitidos, ao mesmo tempo em que Marcelo Munhoes, ex-chefe de TI do clube, também foi dispensado.

Munhoes também foi ouvido. Ele relatou à polícia que sua demissão ocorreu logo após um comparecimento anterior às autoridades, já para falar sobre desvios de ingressos. O ex-funcionário também reforçou as denúncias feitas à imprensa sobre a insistência da gestão em contratar a Ticket Hub para operar a logística de ingressos da Neo Química Arena, mesmo cobrando um preço mais alto que as concorrentes pela implementação da tecnologia de biometria facial.

Ele também relatou às autoridades que a diretoria mantém sob sua posse cerca de dez mil ingressos por jogo, destinados à distribuição fora do sistema do Fiel Torcedor, e revelou que o Corinthians contratou uma nova empresa para desenvolver um novo software do clube social, cujo proprietário seria parente de “pessoa ligada à torcida organizada”, que estaria respondendo a homicídio decorrente de briga entre torcidas. Tal acordo representaria riscos à LGPD, segundo Munhoes.

Lúcio Blanco afirmou que não tem “controle ou gerência” dos logins que operam os ingressos da Neo Química Arena e que a quantidade de tickets disponibilizados para cada grupo no clube é definida previamente e autorizada pela diretoria. Disse ainda que nunca facilitou indevidamente o acesso a ingressos e que a emissão dos bilhetes exige apresentação do documento de identificação do destinatário.

Renata Maria da Silva e Lídia Reis, as funcionárias citadas anteriormente por Tuma e Gabriela Rosa, deram depoimentos similares. Ambas trabalham na emissão de ingressos e afirmaram que seus logins se destinam somente para esse fim, não tendo autonomia para alterar ou incluir beneficiários. Disseram, ainda, que a gestão do software do FT é feita com a supervisão da OneFan, fornecedora da tecnologia.

Outra oitiva ocorreu com Ricardo Okabe, ex-gerente de operação da Neo Química Arena. Ele confirmou que ajudou Gabriela Rosa a buscar evidências de desvios de ingressos no sistema do FT, e que apenas fez isso pois as denúncias de irregularidades que recebia, e encaminhava a seus superiores Lúcio Blanco e Marcelo Mariano, não resultaram em qualquer providência e o fizeram passar a receber demandas alheias à sua função, como atividades em exposições e eventos culturais.

Ele afirma que, em reação a isso, resolveu investigar por conta própria, descobrindo o meio de operação dos logins, cujas cargas de ingressos eram variáveis e definidas pela diretoria. Descobriu, ainda, que os ingressos emitidos por esses logins não são identificados nominalmente, ao contrário do que declarou Lúcio Blanco e do que acontece com os tickets emitidos via FT.

Por fim, Ricardo Okabe confirmou à polícia que, dois meses após chegar ao nome de Otávio Arliani, descobrir seu parentesco com as funcionárias Renata e Lídia do setor de emissão de ingressos e denunciar o fato a Marcelo Mariano e Augusto Melo, foi demitido de seu cargo.

A polícia também ouviu torcedores suspeitos de praticar cambismo: Tony Antoniassi Lima, Vinicius dos Santos Barbosa, Maria de Fátima Chantre Inácio, Rosana Rodrigues Benedicto e Rafael Yanes Soares. Todos negaram as acusações, afirmando em geral que fazem repasses de ingressos pontualmente para manter seus scores de pontuação no Fiel Torcedor.

No entanto, chamou atenção, no depoimento de Maria de Fátima, a citação a Fernando Monteiro Alves — parente do ex-presidente Duilio Monteiro Alves — que, segundo ela, seria assessor de Augusto Melo. Ela também mencionou Fernando Matheus, neto do ex-presidente Vicente Matheus, afirmando que ambos “tinham acesso a diversos logins de conselheiros vitalícios e emitiam ingressos”. Ainda de acordo com Fátima, ela teria visto conversas entre Fernando e Augusto nas quais o presidente alvinegro “enviava ingressos com QR Code para o Fernando distribuir”.

O último ouvido foi Otávio Arliani, que confirmou parentesco com uma funcionária do clube social do Corinthians que seria “prima da prima de sua esposa”. Ele negou, ainda, ser cambista, afirmando que apenas revende os ingressos que “sobram” de sua conta no Fiel Torcedor, de onde sempre compra cinco ingressos (o seu e de quatro dependentes) para manter seu score de pontuação alto.

Manifestações de Corinthians e OneFan

A OneFan, fornecedora do FT, foi ouvida por meio de ofício. A empresa afirmou que o clube define previamente a reserva de entradas para cada partida, destinadas a grupos como patrocinadores, diretores e torcidas organizadas. Segundo ela, esses ingressos não são comercializados publicamente e sua distribuição é feita manualmente e de forma autônoma por uma equipe interna do próprio clube.

Após essa alocação, os códigos de acesso (QR Codes) são enviados diretamente aos beneficiários, sem exigência de identificação formal ou controle por parte da empresa. Já os ingressos não reservados pela diretoria são liberados dentro do FT em etapas: primeiro para diretores e conselheiros, depois para sócios conforme a categoria do plano e, por fim, para o público geral.

Sobre os acessos de login, a OneFan informou não ter localizado contas com a nomenclatura exata citada na investigação, mas identificou duas credenciais genéricas criadas antes de sua gestão. Esses logins permitem acesso compartilhado e não estão vinculados a dados pessoais, impedindo a identificação individual de usuários.

Já o Corinthians afirmou que a distribuição de ingressos na Neo Química Arena segue critérios estabelecidos, citando os setores que recebem cotas pré-definidas, como donos de camarotes, comerciantes do estádio, conselheiros, patrocinadores, entidades públicas e categorias sociais. Ressaltou o acesso exclusivo de organizadas a 8 mil ingressos no Setor Norte, e afirmou que o FT responde por algo entre 32 e 34 mil ingressos por jogo.

O clube ainda alegou que o login “Arrecadação”, citado nas investigações, é usado por funcionárias do departamento financeiro para demandas internas, enquanto o “Torcida 2” serve para emissão de ingressos pagos e nominativos quando há pedidos extras das organizadas. Afirmou também que a política de distribuição de tickets existe desde 2014 com mecanismos para evitar irregularidades, garantindo que todos os ingressos gratuitos são identificados como cortesia e são rastreáveis até seus solicitantes.

Por fim, o Corinthians se defendeu de irregularidades, dizendo que cumpre normas legais de prevenção a fraudes e cambismo e afirmando que, na última década, não identificou qualquer irregularidade institucional cometida na gestão de ingressos.

Conclusão do relatório

O delegado Marcel Madruga inicia sua conclusão afirmando que não encontrou indícios de crimes cibernéticos ou invasões no sistema de emissão de ingressos do FT. Segundo as oitivas realizadas e os documentos analisados, a plataforma tem operado conforme o previsto, sem interferências externas. Dessa forma, foram descartadas hipóteses de violações ou falhas que pudessem comprometer a segurança do processo.

Verificou-se, porém, a ocorrência de revenda irregular de ingressos por sócios. O relatório ressalta que tal conduta, “apesar de potencialmente lesiva ao clube”, não implica, necessariamente, responsabilidade criminal por parte dos gestores alvinegros. Destaca ainda que os repasses indevidos, por serem vedados pelo regulamento do programa Fiel Torcedor, sujeitam os autores apenas às sanções disciplinares previstas nos regulamentos internos do Corinthians, em conformidade com a autonomia das entidades privadas assegurada pela legislação brasileira

A investigação também constatou que a emissão manual de ingressos por funcionárias da Neo Química Arena foi realizada por meio de logins corporativos próprios, regularmente autorizados pela diretoria e credenciados para essa finalidade. Dessa forma, não foram identificados elementos robustos que indiquem dolo ou má-fé nas ações individuais dessas colaboradoras.

Em relação à distribuição de ingressos, o delegado ressaltou que os critérios são definidos internamente pelo clube, cabendo à polícia intervir apenas caso haja comprovação de crimes tipificados. A investigação, segundo o texto, chegou a identificar falhas no processo, mas estas foram classificadas como questões gerenciais que deveriam ser solucionadas por auditorias, intervenção do compliance e ajustes administrativos.

Ademais, resta claro que, as questões levantadas pelo noticiante extrapolam os limites da tutela penal e devem ser resolvidas pelos próprios mecanismos de fiscalização e controle interno do clube, tais como Conselhos e Assembleias“, diz trecho do relatório.

Por fim, o delegado afirma na sua conclusão que embora haja identificação da prática de cambismo por indivíduos, sua investigação compete a órgãos especializados em proteção ao consumidor, não à sua delegacia. E que, diante da ausência de elementos que configurem crimes de sua competência, relacionados a cibercrime complexo ou organizações criminosas, recomendava o arquivamento do inquérito ao MP.

Possíveis desdobramentos

A Central do Timão entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) para esclarecer os motivos da sugestão de arquivamento do inquérito, mesmo diante das evidências relatadas sobre a prática de cambismo e possível crime contra o consumidor. Em nota, a SSP-SP informou que o inquérito foi remetido para apreciação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e do Poder Judiciário que, caso julguem necessário, podem solicitar novas diligências à polícia.

Se o Ministério Público concluir que não há elementos suficientes para o ajuizamento de uma ação penal, seja por falta de provas ou pela inexistência de crime, por exemplo, poderá solicitar o arquivamento do inquérito ao juiz, que deverá concordar para que a medida se efetive. Por outro lado, caso entenda que há indícios suficientes de crime e autoria, o MP pode oferecer denúncia à Justiça, convertendo o inquérito em um processo criminal.

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