Calciopédia
·03 de outubro de 2023
Calciopédia
·03 de outubro de 2023
Contratado ainda durante a temporada 2021-22, o jovem meia francês Yacine Adli foi uma das apostas do Milan para melhorar seu setor criativo, na busca por um “camisa 10”. Adli permaneceu emprestado ao Bordeaux por um ano, no qual jogou 36 vezes na Ligue 1, marcando um gol e dando oito assistências, e desembarcou na Itália apenas em junho de 2022. Cercado de expectativas, esperava-se que pudesse brigar com Brahim Díaz por uma vaga no time titular – no entanto, o franco-argelino acumulou apenas 140 minutos distribuídos em seis partidas ao longo da temporada passada, por escolhas táticas e técnicas do treinador Stefano Pioli.
O panorama para a atual temporada parecia ainda pior para o meia: o clube se reforçou bem no mercado e Pioli optou por reformular a estrutura padrão da equipe, migrando do 4-2-3-1 base para um 4-3-3. Isso significava que Adli teria ainda menos espaço no elenco, ao não poder atuar em sua posição preferida. Apesar de ter sido comunicado pelo treinador de que não jogaria, optou por continuar no Milan e brigar pelo seu espaço. A partir daí, começou a treinar em uma nova função, como regista.
A dedicação de Adli nos treinos rendeu frutos e o jogador aproveitou as lesões de Rade Krunic e Ismaël Bennacer – este, fora de ação desde a temporada passada – para finalmente receber uma chance como titular no Diavolo. Contra Cagliari e Lazio, voltou a começar jogando partidas na Itália, após cerca de quase um ano. Anteriormente, o franco-argelino tinha feito parte do onze inicial rossonero apenas num duelo contra o Verona, realizado em 6 de outubro de 2022.
Adli precisou de muito tempo, mas parece ter convencido Pioli (Getty)
Acostumado a atuar mais próximo da área adversária, Adli precisou se reinventar. Nas duas partidas em que foi utilizado por Pioli nesta temporada, o francês foi a peça mais recuada do trio de meio-campo milanista, liberando Tijjani Reijnders e Ruben Loftus-Cheek ou Yunus Musah para trabalharem em zonas mais avançadas.
Durante a construção de jogadas, Adli varia entre ocupar o espaço por trás da primeira linha de pressão adversária e recuar para, entre os zagueiros, criar de frente. Pioli adotou critérios diferentes para a elaboração de jogadas ante de Cagliari e Lazio – laterais por dentro na primeira partida e mais abertos na segunda. Entretanto, o meia ocupou uma posição central nas duas estruturas.
Posicionamento padrão de Adli em fase de construção
É de se esperar que Adli leve algum tempo para dominar os fundamentos necessários para exercer tal posição com naturalidade. Defensivamente, por exemplo, ainda há muita margem para evoluir: no sistema de encaixes individuais priorizado por Pioli, o meia tem sofrido para encontrar o timing correto para pressionar seu adversário, peca pelo excesso de vontade em alguns momentos e não se destaca em ações de desarmes diretos. Essa combinação de fatores faz com que seja superado em alguns lances, permitindo que seu adversário gire sobre ele e encontre campo para correr.
Adli erra o timing da pressão e acaba superado
Ao mesmo tempo, o franco-argelino acabou fazendo faltas desnecessárias em outros momentos. Na partida contra a Lazio, Adli cometeu quatro infrações nos 23 minutos iniciais, uma sequência que poderia gerar um cartão amarelo e comprometer o restante de sua atuação. Algo natural para um atleta que foi formado como meia-atacante, mas que não deixa de ser um ponto de atenção a ser trabalhado nos treinamentos.
Adli erra o timing da pressão e comete falta
Por ter sido substituído na metade do segundo tempo em suas duas aparições, fica difícil antecipar se o francês tem o vigor necessário para cobrir grandes faixas do campo e manter seu encaixe ao longo de 90 minutos, mas Adli deixou boas impressões nesse sentido, aparecendo bem em transições defensivas e orientando companheiros em trocas de referências quando necessário.
Na sequência abaixo, após passe em profundidade da Lazio, ele pode ser visto mapeando seus arredores constantemente para verificar o posicionamento de Mattéo Guendouzi e manter seu encaixe, evitando que o adversário ataque a área livremente.
Adli “quebrando” o pescoço para manter seu encaixe
Neste outro lance, em transição defensiva, Adli acompanha o adversário mais próximo, ao mesmo tempo em que procura Guendouzi. Ao se aproximar da área, sinaliza a Théo Hernandez para que cuide do marcador mais próximo e retorna seu foco ao seu encaixe original, que teria espaço para atacar caso o passe fosse direcionado a ele. Esse entendimento sobre quando trocar sua referência é outro fator importante para um meio-campista do Milan de Pioli.
Troca de referência em transição defensiva
Quando o Milan tem a bola sob seu domínio, no entanto, Adli tem mostrado que tem muito a contribuir, pela capacidade técnica apurada e pelo acerto em suas tomadas de decisões. Além de mostrar inteligência sobre quais espaços ocupar, manipulando seu oponente para criar lacunas ou recuar para receber e lançar de frente, o francês se destaca por progredir o jogo ao quebrar linhas com passes rasteiros verticais, sendo também capaz de criar entrelinhas ao esconder a intenção de seus passes. Apesar de registrar pouco menos de um terço dos minutos de Krunic, Adli já soma 14 passes progressivos na Serie A, contra 11 do bósnio, segundo dados do FBRef.
Exemplos de passes verticais
Esse tipo de passe, aliás, esteve presente na construção de dois gols do Milan com Adli em campo: o tento de empate contra o Cagliari e o primeiro contra a Lazio. No lance da última partida, o franco-argelino recebeu no campo de ataque e acionou Reijnders nas entrelinhas. O holandês encontrou Rafael Leão pela esquerda e Christian Pulisic finalizou após cruzamento, abrindo o placar.
O primeiro gol contra a Lazio teve participação de Adli
Durante os minutos em que esteve em campo, Adli participou de todos os gols marcados pelo Milan: além dos dois já citados, quando contribuiu quebrando linhas com um passe, foi ele quem cobrou o escanteio que originou o gol da virada na partida contra o Cagliari. Os outros tentos dessas partidas aconteceram quando o franco-argelino já tinha sido substituído.
A capacidade de distribuição de jogo do meia também é um ponto positivo ao seu favor. Adli tem recurso técnico para realizar lançamentos longos, trocando a bola de corredor rapidamente – Krunic, por exemplo, tende a não arriscar esse tipo de jogadas com frequência.
Adli faz um lançamento longo e encontra Pulisic em situação de um contra um
Apesar do mercado movimentado do Milan, a aquisição de um volante capaz de jogar à frente da defesa foi uma lacuna importante que não se preencheu, especialmente se considerarmos a nova estrutura tática proposta por Pioli. Krunic tem sido o responsável por exercer essa função e começou a temporada em bom nível – sua lesão, portanto, poderia significar um baque grande para o funcionamento coletivo da equipe. É cedo para afirmar que o treinador encontrou uma solução, mas as primeiras partidas de Adli mostraram que ele pode ser uma opção confiável para tal papel, ainda que apresente características diferentes.