Fussball Brasil
·23 de setembro de 2024
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·23 de setembro de 2024
Após assumir o Mainz 05 em fevereiro de 2024, o treinador dinamarquês Bo Henriksen, de 49 anos, iniciou sua trajetória no clube carnavalesco de maneira espetacular, conquistando aproximadamente 62% dos pontos disputados na Bundesliga e evitando um rebaixamento que, até certo ponto da temporada, parecia inevitável. O Mainz 05 encerrou a liga alemã em uma sequência invicta de nove partidas, com direito a uma goleada por 3-0 diante do Borussia Dortmund.
Bo Henriksen, treinador do Mainz 05 — Foto: Neil Baynes/Getty Images
Uma das primeiras medidas de Bo Henriksen no comando técnico do time foi a reafirmação de uma sistema com três zagueiros. Os resultados iniciais mostraram certa evolução (uma vitória, um empate e duas derrotas), mas faltava algo ao time para engrenar: aí surgiu o que tem sido uma das marcas da equipe desde então: o uso de alas invertidos nos dois corredores laterais. A partir dessa ideia, os Nüllfunfers entraram na sequência invicta mencionada acima e trilharam seu caminho para a permanência na primeira divisão.
Os resultados iniciais da temporada 2024/25 não tem sido tão promissores como anteriormente (vitória contra o Wehen Wiesbaden na DFB Pokal antes de empatar contra Union Berlin e Stuttgart, perder do Werder Bremen e vencer o Augsburg na Bundesliga), mas o clube segue adotando o uso de alas invertidos e produzindo chances a partir dessa ideia. Explicamos abaixo como exatamente funciona a estratégia de Henriksen.
Personagens
A utilização de um lateral invertido é uma tendência comum em equipes europeias nos últimos anos: um jogador defende como lateral e então vem ao meio-campo para trabalhar centralmente quando sua equipe controla a posse de bola. No futebol alemão, especificamente, vimos Joshua Kimmich (FC Bayern) fazer esse trabalho algumas vezes, assim como Ian Maatsen (Borussia Dortmund) na temporada passada.
No caso do Mainz 05, os responsáveis por isso são Anthony Caci, jogador francês que passou grande parte de sua carreira atuando como lateral esquerdo (apesar de ser destro), e Phillip Mwene, um lateral destro que se acostumou a jogar na esquerda. Desde que chegou à Alemanha, Caci tem mostrado uma capacidade para trabalhar bem com o pé esquerdo também, passando e conduzindo a bola, um fator que abre muitas possibilidades para ele. Mwene, por outro lado, já havia atuado como lateral esquerdo anteriormente (inclusive em outros contextos, como na seleção austríaca), embora mostre tendência a sempre utilizar o pé dominante.
Anthony Caci (esquerda) e Philipp Mwene (direita) — Fotos: Leon Kuegeler e Alexander Hassenstein/Getty Images
Padrões de construção e criação
A grande diferença do Mainz 05 em relação aos outros clubes que adotam o uso de laterais invertidos (além da presença de dois jogadores nessa função, quando geralmente usa-se apenas um) está no comportamento de seus jogadores. Grande parte das equipes adota essa ideia para preencher o meio-campo, partindo de uma estrutura em que seu lateral de origem posiciona-se centralmente durante a organização ofensiva, trabalhando realmente como um volante. A ideia de Bo Henriksen, no entanto, consiste em manter seus laterais abertos inicialmente e apenas depois realizar movimentos de fora para dentro, conforme a jogada se desenvolve.
Algumas jogadas contra o VfB Stuttgart exemplificam bem a função dos laterais. No lance abaixo, Caci recebe um passe do goleiro na lateral direita, faz uma tabela rápida com um dos meias e desloca-se em direção ao centro do campo, posicionando seu corpo de modo a lançar uma bola com o pé esquerdo.
Exemplo 1
Nesta outra sequência, o francês repete essa movimentação (tabela com um meia e corrida de fora para dentro), porém recebe o passe de volta em uma zona mais central. Ele, então, opta por finalizar a jogada com um lançamento rasteiro, retirando a bola da zona de pressão e acionando o ala oposto com muito espaço para atacar a área rival.
Exemplo 2
O Mainz 05, por vezes, também utiliza uma dinâmica de terceiro homem envolvendo zagueiro e meia para acionar um de seus alas de frente para a jogada, em condições de lançar com espaço. Foi o que aconteceu no lance abaixo, em que Mwene recebe e imediatamente busca um lançamento longo para o atacante Burkardt. O passe para trás induz a linha defensiva do oponente a avançar, criando espaço nas costas da defesa para que um jogador ataque em profundidade. As três jogadas acabam por colocar atacantes em situações favoráveis para agredir a defesa rival, criando um volume de chances relevantes para equipe de Henriksen.
Exemplo 3
A presença de um lateral destro na ala esquerda também promove outro tipo de vantagem, como observado no segundo gol do Mainz 05 contra o VfB Stuttgart. Mwene recebe em transição ofensiva e, ao invés de atacar o espaço, breca para aguardar a infiltração de um companheiro no espaço entre zagueiro e lateral adversário (este é atraído pelo próprio Mwene, gerando um distanciamento horizontal na linha defensiva). Mwene solta o passe no espaço, há um cruzamento e acontece o gol.
Exemplo 4
Essa última jogada, especificamente, poderia tranquilamente acontecer com um lateral canhoto, mas a tendência natural de jogadores que atuam ao pé natural é atacar a linha de fundo para realizar cruzamentos, então a frequência com que ocorreria seria provavelmente menor.
Olho no trabalho de Bo Henriksen
A grande campanha de recuperação do Mainz 05 na última temporada não aconteceu por acaso: Bo Henriksen tem se mostrado um baita treinador em sua passagem pela Alemanha, chamando atenção não apenas pelo seu jeito energético de ser (correndo freneticamente pela lateral do campo a cada gol marcado), mas também pelo que sua equipe produz dentro de campo. Em um cenário cada vez mais homogeneizado do futebol atual, o treinador encontrou uma maneira criativa para estruturar sua equipe e tem colhido os frutos dessa estratégia. Até onde o Mainz 05 pode ir na temporada? Cenas dos próximos capítulos.