Calciopédia
·05 de junho de 2020
Calciopédia
·05 de junho de 2020
O futebol italiano se especializou em fabricar um personagem comum, quase clichê: o do jogador que não construiu carreira fulgurante, mas que teve qualidade suficiente para ser ídolo de clubes de pequena expressão. Quando era atleta, esse foi o caminho trilhado pelo treinador Claudio Ranieri.
Antes de se tornar Sor Claudio (ou “doutor Claudio”, em romanesco), Ranieri era apenas um garoto do bairro de San Saba, nas imediações do centro histórico de Roma. Nas peladas, jogava como atacante e foi nessa posição que, aos 17 anos, acabou sendo notado pelo técnico Helenio Herrera e levado para a base do time giallorosso da capital.
Claudio, porém, não marcaria nem 20 gols como profissional. Nos juvenis da Roma, Ranieri foi transformado em lateral-direito e foi nessa função que estreou no elenco de adultos: agregado da equipe Primavera, foi escalado num confronto da finada Copa Anglo-Italiana, em 1973. Ainda moço, realizava o sonho de defender o time pelo qual torcia.
Na temporada seguinte, o romano já não era mais um simples aspirante e integrou o time principal da Loba. Ranieri até foi utilizado pelos técnicos Manlio Scopigno e Nils Liedholm, mas entrou em apenas seis partidas da Serie A. Eram anos pouco gloriosos do time capitolino e, em mais uma tentativa de reformulação do elenco, a diretoria da Roma permitiu que Claudio fosse evoluir no Catanzaro, da Calábria. Ele só deixaria o sul da Itália bem depois da aposentadoria.
O Catanzaro havia estreado na Serie A em 1971 e, desde o ano seguinte, tentava voltar à elite. Para buscar o acesso, Ranieri foi, juntamente a Massimo Palanca, uma das principais contratações feitas pelos giallorossi calabreses. O time dirigido por Gianni Di Marzio fez uma boa segundona e bateu na trave: ficou na quarta posição e só não conseguiu a promoção porque perdeu o jogo-desempate para o Verona. Em 1976, porém, as águias do sul foram vice-campeãs da categoria e subiram.
Sor Claudio já era titular absoluto daquele Catanzaro, atuando como um lateral-direito de características defensivas. Ele, contudo, não pode evitar a queda imediata da equipe conhecida como “Rainha do Sul” à categoria inferior, em 1977. Os giallorossi fariam um bate e volta na Serie B e, após outro vice-campeonato, teriam uma sequência de cinco anos entre os maiores da Itália.
Em 1978-79, o Catanzaro foi treinado pelo também romano Carlo Mazzone e teve grande temporada. Ranieri integrou uma defesa forte, ao lado dos experientes Giuseppe Sabadini (ex-Milan e seleção italiana) e Maurizio Turone (também ex-rossonero), e contribuiu bastante com o ataque. Marcou quatro gols (dois na Serie A e dois na Coppa Italia) e acabou sendo o vice-artilheiro giallorosso, atrás de Palanca (18). O “terror do norte” não só permaneceu na elite pela primeira vez na história como ficou na nona colocação. Além disso, foi semifinalista da copa e só caiu frente a campeã Juventus.
A temporada posterior marcou a ascensão de Ranieri ao posto de capitão do time. Porém, o desempenho coletivo do Catanzaro não foi tão bom e a equipe acabou rebaixada. Para sua sorte, a formação calabresa acabou sendo repescada depois que Lazio e Milan rumaram à Serie B por conta das punições recebidas no escândalo Totonero.
A nova permanência renovou o fôlego dos giallorossi, que engataram uma crescente nos dois anos posteriores e, por duas vezes, melhoraram sua classificação na tabela: oitavo e sétimo lugares, respectivamente. Em 1981-82, além de ter obtido sua participação mais importante na elite, o Catanzaro voltou às semifinais da Coppa Italia. Se a queda para a Juventus na primeira oportunidade foi categórica, as águias venderam caro a eliminação para a Inter, na segunda – só cederam na prorrogação e por conta do gol qualificado.
Embora o Catanzaro vivesse um bom momento, Ranieri, então com 30 anos, não era mais titular absoluto por causa de problemas físicos. No mercado de verão de 1982, a diretoria decidiu renovar o elenco e liberou tanto atletas experientes quanto negociou os mais talentosos. Claudio foi um deles e se despediu como ícone giallorosso: com 128 partidas, foi o atleta que mais representou o clube na Serie A.
Ranieri acabou acertando com o Catania, treinado por Di Marzio, seu comandante nos tempos de Calábria. Da Sicília, o antigo capitão só observou a estratégia não dar certo: os giallorossi caíram para a Serie B e nunca mais voltaram para a elite. Enquanto o Catanzaro iniciava sua decadência, Ranieri era titular absoluto de um Catania que superava Como e Cremonese nos spareggi e voltava à elite após 12 anos de ausência.
O romano manteve o posto no onze rossoazzurro na Serie A, mas o time não engrenou. Reforços badalados vindos do Brasil, o lateral-esquerdo Pedrinho Vicençote e o meio-campista Luvanor não fizeram a diferença, ao passo que o atacante Aldo Cantarutti deixou de ser o goleador dos anos anteriores. A soma desses fatores resultou na transformação dos etnei em uma presa fácil. Com apenas uma vitória, 19 derrotas e 10 empates, a equipe foi lanterna do campeonato e retornou à segundona.
No ocaso da carreira, Sor Claudio acabou permanecendo na Sicília. A transferência do Catania para o Palermo causou algum furor inicial entre os rossoazzurri, mas como o time rosanero, seu maior rival, estava na terceira divisão, os ânimos se aplacaram logo. Ranieri queria mais tempo de jogo e conseguiu: o lateral-direito foi titular em toda a campanha que devolveu os palermitanos à Serie B.
Ranieri acabou entrando menos em campo em 1985-86. O romano ajudou o Palermo a se manter na segunda categoria, mas isso não adiantou: o clube estava falido e precisou ser refundado, o que lhe obrigaria a disputar a próxima Serie C2. Nesse meio tempo, com quase 35 anos, o veterano decidiu se aposentar para virar treinador.
Em 1986, o romano começaria na nova função pela Vigor Lamezia, equipe da região de Catanzaro. Até 1993, dirigiria apenas times do sul: depois dos biancoverdi, passaria por Puteolana, Cagliari e Napoli. Em Nápoles, passaria a contar novamente com a parceria do ex-goleiro Giorgio Pellizzaro, com quem fez amizade nos tempos em que defendeu a Rainha do Sul.
O preparador de goleiros acompanharia quase todo o restante da tortuosa trajetória de Ranieri como técnico. Os anos de esperança por Napoli e Fiorentina; as passagens opacas por equipes grandes, como Valencia, Atlético de Madrid, Chelsea, Juventus, Roma e Inter; as recuperações de Parma e Monaco; a magia de treinar a “sua” Roma. Ainda haveria tempo para um fracasso retumbante pela seleção grega e para o milagre pelo Leicester, improvável e insólito campeão da Premier League. Já sem a companhia de Pellizzaro, Sor Claudio passou por Nantes, Fulham, outra vez pela Roma e, por fim, pela Sampdoria. Assim como fizera em campo, o romano derramou muito suor para chegar aonde chegou.
Claudio Ranieri Nascimento: 20 de outubro de 1951, em Roma, Itália Posição: lateral-direito Clubes: Roma (1972-74), Catanzaro (1974-82), Catania (1982-84) e Palermo (1984-86)