FNV Sports
·02 de abril de 2020
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Desde que Jorge Mario Bergoglio, o Papa Franscisco, assumiu a condição de líder da Igreja Católica, atribuí-se ao Club Atlético San Lorenzo de Almagro, sua equipe do coração, que, na última quarta-feira, 1º de abril, completou 112 anos, um caráter divino. Porém, as alcunhas mais corriqueiras para designar os torcedores da equipe evidenciam que as raízes religiosas da instituição foram plantadas muito antes de abril de 2013.
Se por um lado “Los Cuervos” era a gíria que associava a ave as batinas negras dos padres, afinal, o clube nasceu devido a um, por outro “Los Azulgranas” também contém fundo religioso, visto que aquele teria escolhido as cores azul e grená por essas serem, frequentemente, atribuídas as roupas de Jesus em pinturas.
Trata-se de Lorenzo Bartolomé Massa. Nascido em 11 de novembro de 1882, na cidade de Morón, província de Buenos Aires, instalou-se, em 1907, no Oratório de San Antonio, na rua “Treinta y Tres Orientales”, no coração do bairro de Boedo, ao sul do centro da capital da Argentina. Dessa maneira, receoso com a segurança de garotos (não muito mais jovens que ele, então com 25 anos) que enfrentavam, desde o início daquela década, conjuntos de bairros vizinhos, mas que viviam batendo bola nas ruas de Almagro, convenceu-os dos riscos da prática após um escapar ileso de um atropelamento.
Nesse cenário, Massa lhes fez uma proposta: em troca de um terreno adjacente à sua capela onde poderiam jogar futebol com segurança, os protegidos deveriam estudar catecismo e, sobretudo, comparecer às missas. Imediatamente aceita, os “Los Forzosos de Almagro” precisaram, também, mudar de nome, uma vez que esse era julgado inapropriado pelo padre. Desse modo, não tardaram a aparecer sugestões de que “Lorenzo” estivesse incluído no novo nome. No entanto, Federico Monti, um dos mais jovens, fez uma exigência:
“Somos de Almagro, mudem o nome e ponham o que quiserem, mas que diga Almagro, ou eu me retiro”.
Assim, em 1º de abril de 1908, fundava-se o Club Atlético San Lorenzo de Almagro.
Apesar da reivindicação de Monti ter sido acatada, o estabelecimento do time em Boedo faria desse o reduto do clube. Após ter sido vice-campeão na segunda divisão de 1914, o San Lorenzo, enfim, atingiu o máximo escalão do futebol argentino. Nessa temporada, duelou pela primeira vez contra seu maior rival, o Clube Atlético Huracán, do bairro vizinho, Parque Patrícios, o qual, vale lembrar, também foi fundado em 1908, mas em outubro. A vitória, de virada, por 3-1, do CASLA foi o embrião de uma paternidade impressionante.
Nos primeiros passos do San Lorenzo na primeira divisão, Jacobo Urso era o retrato do clube dentro das quatro linhas. Como fruto de seu desempenho, o defensor foi convocado pela Seleção Argentina para um confronto contra o Uruguai, em Montevideo, pela Copa Newton, em 24 de agosto de 1919. Apesar da derrota de 2-1, aquela partida representou a estreia de um “Azulgrana” pela seleção.
Durante um confronto frente ao Estudiantes de Buenos Aires, em 30 de julho de 1922, permaneceu em campo mesmo após fraturar duas costelas ao se chocar contra dois adversários, para não deixar seus companheiros de equipe em desvantagem numérica. Entretanto, o impacto acabou perfurando um de seus rins. Assim, na semana seguinte, depois de ser submetido a duas operações, Urso faleceu. No aniversário de 50 anos do clube, o homenagearam com um placa:
“Ao completar meio século de vida, o Club Atlético San Lorenzo de Almagro, que tu tanto amaste, te aclama como perfeito esportista”.
No decorrer da década de 1920, o San Lorenzo passou a encontrar o caminho dos títulos. Logo no ano posterior à morte de Jacobo Urso, conquistou seu primeiro título na elite, ainda durante a era do amadorismo. Naquela campanha, venceu 17 dos 20 compromissos, tendo empatado um e perdido apenas dois. Mantendo a base da equipe campeã, que contava com Luis Monti, Pedro Omar, Alfredo Carricaberry e Lindolfo Acosta, o clube de Boedo foi bicampeão. No total, foram 18 vitórias, três empates e duas derrotas, tendo anotado 32 dos 48 gols marcados como mandante, condição na qual venceu 11 partidas.
Por mais que nenhuma volta olímpica tenha sido dada em 1925 e 1926, os vice-campeonatos evidenciavam a diretriz do trabalho. Para enfim sair do quase, o San Lorenzo contou com um prata da casa: Diego García. Em entrevista concedida à revista “El Gráfico”, o excelente meia-esquerda contou como ocorreu sua estreia:
“Minha estreia foi algo casual. Foi em 1925. Me relacionaram para uma partida contra o Estudiantil Porteño pelo sub-20, na parte da manhã. Durante a noite, havia estado em um casamento. Sem dormir, cheguei correndo ao estádio, comecei a me trocar, quando um dirigente se aproximou e perguntou como eu estava. Disse que bem, e então ele me falou que não tinha que por a roupa pois, a noite, ia jogar com os profissionais contra Liberal Argentino. Eu não acreditava. Estreei com sorte, porque ganhamos de 2-1, e eu fiz os dois gols”.
Em 1927, o campeonato da Associação Amadora de Futebol (AAF) regressou para Boedo. Com um conjunto que, por momentos, foi verdadeiramente invencível, o CASLA estabeleceu uma marca histórica de 47 partidas sem derrotas (de 2 de maio de 1926 até 31 de dezembro de 1927), com 39 vitórias e oito empates.
Em 1931, com o advento da Associação de Futebol Argentino (AFA), tem-se início a era profissional. Dois anos mais tarde, o San Lorenzo era novamente campeão.
Conduzido por um García em sua plenitude técnica, o time, que ficaria conhecido por “Los Gauchos de Boedo”, devido a quantidade de atletas das categorias de base que integravam o plantel, conquistou o campeonato somente na última rodada, impedindo o tricampeonato consecutivo do Boca Juniors, vice com um ponto a menos. Nesse ano, surge, também, a alcunha de “Ciclón”.
Apesar de ter levantando o troféu de 1936, o título passou a ser reconhecido pela AFA somente 77 anos depois. O elenco comandado pelo ex-jogador José Fossa, venceu a Copa de Honor com 12 vitórias, 4 empates e apenas uma derrota.
Com a debandada em massa de jogadores espanhóis devido a Guerra Civil no país, o San Lorenzo viabilizou, em 1939, as contratações de Ángel Zubieta e Isidro Lángara, todos integrantes de “La Furia”. Apesar de Lángara ser o sexto maior artilheiro da história do clube, com 110 gols, não conseguiu sagrar-se campeão pela equipe. Por sua vez, Zubieta, quarto jogador que mais vezes defendeu a camisa Azulgrana, com 353 partidas, foi o capitão do elenco vitorioso de 1946.
O lateral-direito basco, revelado pelo Athetico Bilbao, liderava dentro das quatro linhas o time, que também era composto pelo goleiro iugoslavo, Mierko Blazina, pelo zagueiro, Oscar Alfredo Americo Basso, e sobretudo, pelos atacantes René Pontoni, Rinaldo Martino e Armando Farro, o “Trío de Oro”.
Aquela conquista, ratificada com três rodadas de antecedência, na vitória por 6-3 contra o Huracán, ocorreu muito por conta dos tentos anotados pelo três. Dos 90 gols marcados pela equipe dirigida pelo técnico Diego García nos 30 jogos disputados, 55 saíram dos pés do trio: 20 de Pontoni, 18 de Martino e 17 de Farro.
Porém, após às saídas de Martino, segundo maior artilheiro da história do clube, com 142 gols em 233 partidas, para à Juventus, e Basso para à Internazionale, o San Lorenzo enfrentou um período de seca de 13 anos. Após dois vices seguidos, em 1957 e 1958, o jejum seria quebrado em 1959, na esteira dos gols de José Sanfilippo, levando o San Lorenzo para sua primeira Copa Libertadores.
Maior artilheiro da história do clube, com 205 gols em 263 partidas, “El Nene” foi, entre 1958 e 1961, quatro vezes consecutivas artilheiro do campeonato argentino. Contudo, por entreveros com a direção do clube, em 1963, foi negociado junto ao Boca Juniors, onde acabou sendo expulso no confronto contra seu ex-clube.
Apesar da saída controversa de Sanfilippo, o CASLA observava o surgimento de uma nova safra de excelentes canteranos, “Los Carasucias”: Narciso Horacio Doval, Victorio Francisco Casa e os de maior apelo, Hector Rodolfo Veira, Roberto Telch e Rodolfo Fisher.
Sob a batuta do técnico brasileiro Elba de Paula Lima, mais conhecido como Tim, o San Lorenzo encerrou a sina de 13 anos entre uma taça e outra em 1968, tornando-se o primeiro campeão argentino da era profissional a vencer o título de forma invicta, com 16 vitórias e oito empates. Sendo assim, “Los Carasucias” transformaram-se em “Los Matadores”.
Para atuar conjuntamente com as promessas que se desenvolviam em Boedo, a diretoria viabilizou a contratação de Sergio Bismark Villar junto ao Defensor. Até hoje, o lateral-direito uruguaio é o atleta que mais vezes defendeu a camisa Azulgrana, com 447 aparições. Também se destacam o goleiro Carlos Adolfo Buttice e o defensor José Rafael Albrecht.
Após um profundo desmanche ocasionado pela severa crise financeira que assolava o clube, veio a dobradinha de 1972, quando o San Lorenzo conquistou tanto o Metropolitano quanto o Nacional (esse último de maneira invicta). Remanescentes do último título, Villar e Telch se juntaram, sobretudo, a nova prata da casa, o atacante Rubén Ayala, e ao veterano José Sanfilippo, que retornou ao clube após se destacar no Bahia.
A última taça do período, que reservou, em 1973, outra seminal de Libertadores, veio no Nacional de 1974, que marcou a explosão de Héctor Scotta, quarto maior artilheiro do clube, com 140 gols. Aliás, vale ressaltar, no ano seguinte, o atacante balançou as redes adversárias 60 vezes durante toda a temporada, recorde de gols na história do futebol argentino.
Todavia, a crise financeira continuava assolando o clube. Assim, interessada nos valorizados terrenos do Gasómetro, o maior estádio da Argentina naquela época, a ditadura que comandava o país pressionou a instituição a vendê-lo. Anos mais tarde, um supermercado da rede francesa Carrefour foi construído no local.
Menos de dez anos após os anos dourados, o San Lorenzo atingiu o fundo do poço em 1981, quando tornou-se o primeiro grande clube argentino rebaixado. A partir de então, como medida de proteção às equipes mais populares, o sistema de “promedios” foi implementado pela AFA.
Em uma campanha recheada por episódios históricos, tal como a partida, no Monumental de Núñez, contra o Tigre, onde mais de 75 mil “hinchas” cravaram o maior público da história de uma partida de campeonato argentino considerando todas as divisões, o San Lorenzo conquistou a segunda divisão. E mais: mesmo peregrinando por diversos estádios, o CASLA terminou aquela temporada como o time que mais atraiu público em suas partidas.
Em 1983, o regresso à elite quase foi emendado com um título: o campeão Independiente somou um ponto a mais que a equipe de Rubén Insúa. Porém, o impacto inicial não se sustentou. Com exceção do conjunto semifinalista da Libertadores de 1988, onde se destacavam o folclórico arqueiro paraguaio José Luis Chilavert, Walter Perazzo, Néstor Raúl Gorosito e Alberto Federico Acosta, na maior parte da década o San Lorenzo colecionou campanhas medianas.
Treze anos após a última partida no Viejo Gasómetro, o Nuevo Gasómetro terminaria, enfim, de ser construído. Contudo, o estádio nunca caiu totalmente nas graças das torcedores. Isso porque não estar em Boedo, e sim no bairro de Flores, era motivo de descontentamento interno, pela falta de pertencimento, e de chacota dos rivais, uma vez que a relação bairro-clube na Argentina é de suma importância.
Mesmo assim, o Nuevo Gasómetro, logo em seu segundo ano, foi palco de um novo título argentino. Sob o comando de Veira, ídolo dos anos 1960 e eleito no centenário o principal personagem da instituição, nomes como os atacantes Silas, Bernado Romeo e Claudio Biaggio.
O Clausura 1995 estabeleceu novos títulos nacionais bissextos, agora de seis em seis anos. No último, em 2007, destacou-se a revelação Ezequiel Lavezzi. Já o de 2001, com Sebastián Saja, Fabricio Coloccini, Pablo Michelini, Bernardo Romeo, Raúl Estévez e Leandro Romagnoli, teve ainda a maior sequência de vitórias no país: 13. A campanha coroou ainda as trajetórias de antigos ídolos ainda sem taças, como o uruguaio Sebastián Loco Abreu.
Aquela base de 2001 conseguiu, também as primeiras conquistas internacionais do clube, a Copa Mercosul de 2001 e a Copa Sul-Americana de 2002. Dez anos depois, o San Lorenzo quase foi rebaixado novamente. Apesar disso, naquele ano a justiça Argentina reconheceria o direito histórico da volta a Boedo. Embalados pela decisão, os comandados pelo técnico Edgardo Bauza venceram o campeonato argentino de 2013. No ano seguinte, enfim, o clube venceu a Copa Libertadores da América, acabando com as gozações do rivais, que aproveitando das iniciais CASLA, o chamavam de “Club Atlético Sin Libertadores da América.
Enfraquecido, visto que concentra maiores esforços na questão do terreno em Boedo, o San Lorenzo terminou a Superliga Argentina 2019-2020 na 8ª colocação.