
Central do Timão
·21 de maio de 2025
Coletivo corinthiano propõe arborização da Arena com apoio de torcedores e movimentos sociais

Central do Timão
·21 de maio de 2025
A Neo Química Arena completará 11 anos em 2025 e, nesse período, já recebeu quase 400 jogos e 12 milhões de torcedores. O estádio em Itaquera, projetado para ser a casa do Corinthians, teve seu orçamento e projeto arquitetônico ampliados após ser escolhido para sediar a abertura da Copa do Mundo de 2014. No entanto, a obra foi concluída sem que a Odebrecht, construtora responsável, executasse integralmente o que havia sido previsto em projeto.
Uma das etapas não cumpridas foi o projeto paisagístico, elaborado pela empresa estadunidense SWA e assinado pelo renomado arquiteto John Loomis – os mesmos responsáveis pela arborização do entorno do Burj Khalifa, famoso edifício em Dubai (Emirados Árabes Unidos). O projeto previa piso de granito integrado a espelhos d’água e jardins, que funcionariam também como barreira vegetal, criando uma transição entre o estádio e seu entorno.
Foto: Reprodução/Instagram
A não execução do projeto paisagístico da Neo Química Arena impactou não apenas a estética do local, mas também o conforto térmico. A ausência de vegetação tornou o espaço conhecido entre os torcedores por ser extremamente sensível às altas temperaturas, o que gera desconforto para os corinthianos que o frequentam. Foi pensando em resolver esse problema que surgiu o Corredor Ecológico Corinthiano (CEC), movimento coletivo que busca promover a arborização do entorno do estádio.
A Central do Timão procurou o coletivo, cujo trabalho pode ser acompanhado pelo perfil oficial no Instagram, para entender melhor o contexto de sua formação, os grupos com os quais se articula e as pretensões do movimento. A conversa também abordou o apoio recebido da torcida e os primeiros passos planejados para colocar a iniciativa em prática. Confira a entrevista completa a seguir:
Como surgiu a ideia do Corredor Ecológico Corinthiano?
A gente brinca que foi uma ideia coletiva. É meio que um espírito de época, né? O pessoal começou a sentir a Arena muito quente. O entorno da Arena é árido, em dias de sol, no verão, primavera. Até no outono, em dias de sol, você sente aquela aridez, aquela ilha de calor. Muito concreto, muito asfalto, ficou aquela coisa urbana, pesada. Isso foi despertando nas pessoas um sentimento, aí conversamos com o Pulguinha (ex-vice-presidente dos Gaviões da Fiel), e foi crescendo a ideia. Tinha o pessoal do Coletivo Democracia Corinthiana, da Coalizão pelo Clima. A ‘corinthianada’ que frequentava o estádio, torcida, ambientalistas, foi tendo essa ideia.
Quais foram os principais problemas ambientais identificados no entorno da Neo Química Arena?
É um local árido, mais quente, você sente isso muito. No entanto, quando se fica embaixo de uma árvore, a diferença de temperatura é brutal. E junto com isso a gente vê todos esses problemas que a falta de arborização causa. As árvores amenizam não só o calor, mas a poluição e as enchentes… elas diminuem a velocidade das águas nas enchentes. A Prefeitura teve até que fazer uma obra de águas pluviais, porque a região da Artur Alvim (ponto de concentração da torcida) já encheu de água várias vezes. A arborização vem para responder esses problemas regionais, além da questão das mudanças climáticas em nível global também. É a única tecnologia que nós temos disponível para captura de carbono e para mitigação dos efeitos, mas também das causas das emergências climáticas e do aquecimento global.
Além disso, esse projeto pode ressignificar o espaço para a comunidade local também. Porque aquele lugar é morto quando não tem jogo. Aquele corredor que vai da Estação Artur Alvim até a Estação Corinthians-Itaquera, se não tem jogo, é um lugar morto, perigoso. A gente precisa ressignificar, primeiro com plantio de árvores, mas depois planejamos fazer oficinas de compostagem, de canteiros biossinérgicos, (além de) ter gente que vai tratar a questão do lixo. Então, na verdade, (a arborização) é o primeiro passo para uma ressignificação do local para o bairro também, tomar aquele espaço para si. Não só a torcida corinthiana, mas eles também, o pessoal do bairro.”
Por que articular esse projeto sob o nome e valores do Corinthians? Qual a importância de iniciativas populares vinculadas a clubes de futebol, como o Timão?
O Corinthians é um time fundado por operários anarco-sindicalistas. O Miguel Battaglia já dizia que o Corinthians é o time do povo e é o povo quem vai fazer o time, e essa é uma frase de Enrico Malatesta (teórico e ativista anarquista italiano), que disse: ‘Nós, anarquistas, não queremos emancipar o povo, queremos que o povo se emancipe’. Toda a origem do Corinthians passa pela luta contra o elitismo no futebol, incluindo a participação nas grandes greves de 1917, quando tem aquele jogo de arrecadação de fundos para o Partido Comunista Brasileiro. Sem falar na própria Democracia Corinthiana, que é o capítulo mais conhecido dessa história. Tem também o apelo popular das nossas torcidas organizadas, como os Gaviões da Fiel. O Corinthians é uma entidade identificada com valores populares, democráticos e de igualdade. Essa questão mobiliza forças. E toda vez que a gente fala desse projeto, os olhos das pessoas brilham, então tem muito apelo popular e social. É democrático. O futebol move algumas forças que a gente pode aproveitar social, política e ambientalmente, sem ser partidário. É a política como forma de você mudar a sua realidade coletiva.”
Qual é a meta de arborização? Quantas árvores pretendem plantar e em qual área? Quais espécies de árvores estão sendo priorizadas e por quê?
A gente pretende plantar até mil árvores no entorno da Arena, saindo lá de Arthur Alvim, da Praça do Elefante, subindo a avenida Miguel Ignácio Cury e circulando o estádio. A gente espera que depois desse primeiro mutirão, dando certo, o Corinthians abra as portas pra gente conversar melhor com eles. Mas a meta é plantar mil árvores nativas, de preferência frutíferas, mas também outras árvores… ipê roxo, amarelo, branco, quaresmeira… para termos diversas cores em nosso plantio.
Projeto paisagístico não-executado durante a construção do estádio (Foto: Reprodução/DDG Arquitetura)
Como o projeto dialoga com a Prefeitura ou com órgãos ambientais?
A gente está buscando o apoio deles para que, pelo menos, eles autorizem esse plantio. A gente está em conversa com a Secretaria do Clima, a Secretaria do Verde e as Subprefeituras da Penha e de Itaquera. Estão indo bem as conversas e a gente está buscando um apoio, com adubo orgânico, ou ver se eles fornecem algumas mudas pra gente. Mas é a gente que quer fazer o plantio, vai ser pelas nossas mãos. O mutirão de plantio é popular, e em relação aos órgãos públicos, queremos que eles sigam a obrigação deles de dar apoio, e eles estão dando apoio, sim.
Como tem sido a adesão da torcida e dos moradores da Zona Leste?
A adesão da torcida está legal. Os Gaviões da Fiel pelo seu Departamento Social, a Pavilhão 9 também está com a gente. Coletivos como o Coringão Antifa e o Coletivo Democracia Corinthiana estão também. Muita gente procurando a gente pelo Instagram. A gente está com um time de futebol de várzea, o Onze Futebol Clube da Cohab 1. E por meio desse pessoal, a gente está agitando a população do entorno da Arena, e a resposta tem sido boa.
Como as diferentes entidades se articulam entre si? Quais os próximos passos ou eventos planejados?
Está sendo uma experiência de bastante aprendizado. Temos também alguns sindicatos apoiando a gente, o Movimento Sem Terra (MST) que está com mil mudas para doar para a gente também, e a própria Coalizão Pelo Clima, que agrega diferentes atores sociais e ambientais. Cada entidade tem seus objetivos diferentes, né, a torcida organizada, o MST, os sindicatos e os movimentos ambientais. Além do Coletivo Democracia Corinthiana, que fica ali entre o futebol e a política. São atores diferentes com características e modos de agir diferentes e isso é interessante, conseguir fazer essa articulação numa linguagem que todo mundo consiga dialogar. É uma articulação ampla.
Vocês veem relação entre a luta popular que marcou a história do Corinthians e a luta ambiental hoje? Existe um paralelo entre o papel histórico do clube nas causas sociais e ações como essa de cunho ambiental?
A gente não consegue separar os problemas ambientais dos problemas sociais, né? O ser humano é a espécie que tem o maior poder de construção e de destruição do planeta. Os problemas ambientais que nós temos hoje no planeta são problemas humanos, de ordem política, econômica, social. É o ser humano que derruba a Amazônia. São os mesmos que retiram os direitos dos trabalhadores via flexibilização da CLT, via retirada dos direitos da Reforma da Previdência. As questões estão muito ligadas entre elas. A gente tem um sistema econômico que se pauta pelo crescimento infinito da produção e da acumulação de riqueza num planeta com a natureza de tamanho limitado. Isso é um problema, é uma conta que não bate. Então, tem uma questão social e econômica e política dada nas questões ambientais. Se a gente não mudar o sistema, muito dificilmente a gente vai conseguir manter o planeta da maneira que está. A gente já gasta 70% a mais de recursos naturais do que o planeta é capaz de repor, de regenerar.
Linha de arborização pretendida pelo projeto (Foto: Reprodução)
Como a arborização pode ajudar a mitigar problemas típicos da Zona Leste de São Paulo, como enchentes, ilhas de calor e poluição?
Principalmente, mitigar problemas típicos da Zona Leste, como enchentes, ilhas de calor e poluição. Há estudos técnicos que mostram que as árvores retêm a luz do sol, diminuindo a temperatura em dois a três graus a diferença entre locais arborizados e locais não arborizados, em média. Elas diminuem a velocidade das águas, as folhas vão pegando as gotas de chuva, vão segurando, reduzindo o impacto das enchentes. E as árvores capturam gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono.
Quais os principais desafios técnicos para a implementação de um corredor ecológico urbano?
Tem uma questão que não é só uma ‘frescura’. A gente não pode sair quebrando calçada, né, em locais que a gente não sabe se passa rede de água, rede de esgoto, rede de luz, fiação de internet, telefonia. Você precisa tomar um cuidado com isso. A relação com a Prefeitura ajuda nisso, a localizar esses espaços. Tem a questão da segurança urbana, a gente precisa tomar cuidado para não tornar alguns espaços muito escuros. São questões que a gente precisa conversar e ver bem. Acertar com a Prefeitura a iluminação dos espaços que vão ser arborizados, para que não se tornem muito escuros e mais inseguros. E a gente também vai precisar contar com a boa vontade dos corinthianos em dia de jogo para não saírem quebrando as mudas, para serem gentis. É um lugar de grandes aglomerações, e a gente vai precisar dessa boa vontade para manter essas árvores de pé e tornar o entorno da Arena muito mais agradável para nós e para a população local.
Como as pessoas podem se engajar ou apoiar o projeto daqui para frente?
Estamos circulando um formulário para a gente ver quem sabe plantar, para estar com a gente no primeiro mutirão, dia 1º de junho. A gente precisa de braços, mentes e corações dispostos a plantar. Tanto quem sabe, quem não sabe, mas é bom que tenha gente que sabe. Já tem bastante gente se inscrevendo. A gente vai montar equipes para fazer o plantio de uma maneira correta, tecnicamente e ambientalmente. E, ao mesmo tempo, rolar uma troca de experiência, um aprendizado.
O pessoal pode ajudar também a divulgar o projeto nas redes, até o dia do mutirão. A gente está abrindo também espaço para oficinas, que têm a ver com o meio ambiente, como de manejo da terra, de plantio, agroecológico, biossinérgico. Ao todo, serão quatro mutirões para plantar as mil árvores que a gente quer, as mil mudas. Nesse primeiro momento, a gente está se programando para plantar 200 árvores, e entre um mutirão e outro, a gente vai fazer essas oficinas, na mesma linha do Corredor Ecológico Corinthiano.
Para participar do primeiro plantio popular do Corredor Ecológico Corinthiano, basta confirmar sua presença clicando AQUI. Também é possível apoiar o financiamento coletivo do projeto AQUI.
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