Calciopédia
·04 de abril de 2024
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Entre o fim da década de 1960 e o início dos anos 1970, o Milan era um voraz papão de títulos. Surfando no auge do craque Gianni Rivera, que ganhou a Bola de Ouro em 1969, o time rossonero conquistou uma Serie A, uma Copa dos Campeões, um Mundial Interclubes, duas edições da Coppa Italia e mais duas da Recopa Uefa – estas, em 1968 e 1973. Em 1974, o Diavolo teve a chance de obter o bi consecutivo da Recopa e o seu terceiro troféu da competição, no geral. Só não contava com o Magdeburg. Com pouquíssimo tempo de existência, o FCM iria atrapalhar os seus planos e se tornar o único clube da Alemanha Oriental a levantar uma taça continental em toda a história.
A Recopa, extinta pela Uefa em 1999, era uma competição disputada pelos campeões das copas nacionais dos países europeus. Em 1973-74, o Milan se classificou para ela de duas formas diferentes, já que superou a Juventus nos pênaltis, na final da Coppa Italia, e ganhou o próprio torneio continental ao bater o Leeds, em Atenas. Já o Magdeburg, que em 1972 se sagrara vitorioso na DDR-Oberliga, primeira divisão alemã-oriental, vinha de um título da FDGB-Pokal sobre o Lokomotive Leipzig.
A campanha do time italiano na Recopa Uefa começou com um atropelo sobre o Dinamo Zagreb, que representava a antiga Iugoslávia, por 4 a 1 no placar agregado. Na segunda fase, após empate sem gols em San Siro, os rossoneri precisaram buscar a vitória na partida de volta contra o Rapid Vienna, fora de casa, na capital austríaca. Ambos os tentos da vitória por 2 a 0 foram anotados por Alberto Bigon.
10 e faixa: Rivera era o craque do Milan que encarou o Magdeburg (imago)
Nas quartas de final, o Milan conseguiu passar com tranquilidade sobre o PAOK, da Grécia. Uma vitória por 3 a 0 em San Siro e um empate por 2 a 2 garantiram a classificação para a semifinal. Na fase seguinte, dureza: o forte Borussia Mönchengladbach, que vinha conquistando títulos na Alemanha e atropelando rivais na Recopa. Uma boa vitória por 2 a 0, em San Siro, deu ótima vantagem para os italianos, que na volta precisaram se defender com maestria, pois Giuseppe Sabadini, contra, abriu o placar para os germânicos muito cedo. No fim das contas, os rossoneri seguraram a derrota magra e avançaram à decisão, agendada para Roterdã, nos Países Baixos.
O Magdeburg, adversário na final, era um time novo. Voltado exclusivamente ao futebol, o FCM foi fundado apenas em 1965, devido a uma reestruturação na modalidade em toda a Alemanha Oriental, que fez com que departamentos específicos para a prática do desporto fossem separados dos clubes poliesportivos. Ente jurídico independente do Aufbau Magdeburg, a agremiação assumiu seu posto na DDR-Oberliga e, até chegar à Recopa Uefa, conquistara um título nacional – feito que repetiria em 1973-74 – e duas copas.
Assim como o Milan, o Magdeburg alcançou a final do torneio europeu com uma boa campanha, pontuada com apenas uma derrota – na segunda fase. Os alemães-orientais superaram, no placar agregado, os seguintes adversários: NAC Breda, da Holanda (2 a 0); Baník Ostrava, da Checoslováquia (3 a 2, virando um adverso 2 a 0 sofrido na ida); Beroe, da Bulgária (3 a 1); e Sporting, de Portugal (3 a 2).
O Milan até começou tentando pressionar o Magdeburg, mas logo viu o time da Alemanha Oriental dominar a decisão (Anefo)
Enquanto o Magdeburg prezava por um futebol mais técnico, como acontecia frequentemente entre times de países do bloco comunista na época, o Milan tinha um grupo muito qualificado – embora também com peças que primavam pela robustez. No papel, o elenco rossonero era muito mais forte e favorito a levar a melhor no estádio Feyenoord, o popular De Kuip, em Roterdã, naqueles dias iniciais de maio de 1974. Só que os alemães tinham a seu lado vantagens com as quais os italianos não podiam contar: tranquilidade no ambiente e trabalho duradouro.
Guiado pelo técnico Heinz Krügel desde 1966, o Magdeburg vinha em grande momento e já havia garantido, naquela temporada, o seu segundo título da DDR-Oberliga – e o terceiro de sua história, com o mesmo comandante, seria sacramentado no ano seguinte. O Milan, pelo contrário, atravessava enorme turbulência.
Para começar, o time rossonero era comandado, desde abril de 1974, por um interino, ainda novato na profissão. Tudo bem que este bombeiro viraria uma lenda no futuro, mas, àquela altura, tinha uma batata quente em mãos. Giovanni Trapattoni, em sua primeira experiência como técnico, era o terceiro treinador do Milan na temporada, em substituição aos icônicos Nereo Rocco e Cesare Maldini, que não haviam conseguido manter o alto nível de outrora.
Num Milan envolto em dúvidas, até mesmo o seguro Schnellinger teve atuação opaca contra o Magdeburg (imago)
Em 1973-74, o Diavolo foi precocemente eliminado na Coppa Italia, perdendo muito cedo a oportunidade de lutar pelo bicampeonato consecutivo, tomou 6 a 0 do Ajax na partida de volta da edição inaugural da Supercopa Uefa e, na Serie A, se encontrava fora da zona de classificação para competições continentais – a rigor, terminaria na sétima posição e sem direito a uma vaga. A Recopa, portanto, era encarada como tábua de salvação milanista.
No lado italiano, o craque Rivera não estava 100% fisicamente e buscava a melhor forma após uma lesão que o tirou das semifinais contra o Mönchengladbach. Além disso, o importante desfalque de Luciano Chiarugi, autor de quatro gols na competição, era suprido pelo inexperiente Carlo Tresoldi, que pouco atuava – em três anos, fez somente 21 partidas pelo time. Portanto, Bigon, vice-artilheiro da Recopa, com sete bolas nas redes, era a maior esperança do Milan no De Kuip. Já o Magdeburg tinha como destaques os meio-campistas Jürgen Pommerenke e Wolfgang Seguin, e ainda os atacantes Jürgen Sparwasser e Martin Hoffmann, que defenderiam a Alemanha Oriental na Copa do Mundo de 1974, na vizinha Alemanha Ocidental.
Quando a bola rolou no De Kuip, foi o Milan que começou melhor. Primeiramente, Franco Bergamaschi conseguiu boa finalização, dando um susto em Ulrich Schulze, arqueiro do Magdeburg. Muito bem marcado pelo sistema defensivo alemão-oriental, que lhe concedia pouco espaço quando recebia a pelota dos companheiros, Bigon pouco produzia. Em meados da etapa inicial, Romeo Benetti tentou encontrá-lo com um passe por elevação e, após ajeitada do camisa 9, Tresoldi obrigou o goleiro adversário a saltar e espalmar o seu arremate para escanteio.
No fim do primeiro tempo, Lanzi marcou gol contra e deu início à derrota do Milan em Roterdã (Anefo)
O Magdeburg foi crescendo com o passar dos minutos e chegou a seu primeiro gol pouco antes do intervalo. Detlef Raugust conseguiu interceptar um passe de Benetti em seu campo de defesa e Hoffmann, após a bola espirrada, ganhou de Sabadini no alto, ajeitando para o próprio companheiro. O lance gerou um contra-ataque veloz puxado pelo próprio Raugust, que carregou a pelota pelo lado esquerdo e avançou até a área do Milan. O ponta efetuou um cruzamento rasteiro no intuito de encontrar Sparwasser, mas o zagueiro Enrico Lanzi desviou contra a própria meta, matando Pier Luigi Pizzaballa.
Com moral elevado após sair na frente do poderoso Milan, o Magdeburg começou o segundo tempo pressionando bastante, usufruindo da técnica e da velocidade de seus pontas. Uma boa oportunidade saiu dos pés de Hoffmann, que ciscou para cima de Bergamaschi, finalizou e obrigou Pizzaballa a rebater. O salseiro na área prosseguiu e Sparwasser foi impedido de marcar duas vezes – por Lanzi, que se atirou no chão e, com o braço estendido no gramado, bloqueou seu primeiro chute, e pelo arqueiro rossonero, que fez uma grande defesa à queima-roupa na sequência.
O Milan não jogava bem e até mesmo peças experientes, como o defensor alemão-ocidental Karl-Heinz Schnellinger, cometiam erros aos quais não estavam acostumados. Foi até surpreendente que Rivera quase tenha empatado a partida em meados do segundo tempo, quando recebeu um levantamento de Bigon e testou violentamente. Quase em cima da linha, Wolfgang Abraham mandou para escanteio. Em seguida, um arremate firme de Benetti foi encaixado por Schulze.
Depois de ter saído atrás no placar, o Milan se desorganizou ainda mais e sofreu com os ataques do time alemão-oriental (Anefo)
Quando o Milan parecia entrar no jogo e buscar a reação, o Magdeburg desferiu o golpe de misericórdia, na casa dos 75 minutos. Hoffmann levava Angelo Anquiletti à loucura pelo lado esquerdo do ataque alemão-oriental e, em mais uma jogada em que se saiu melhor, cruzou na medida para Sparwasser espanar o taco. A bola seguiu com o time bicolor e, dessa vez, não houve erro. Axel Tyll inverteu para Seguin, que recebeu com liberdade, passou por Lanzi e, sem ângulo, fuzilou a rede rossonera.
Dali em diante, por incrível que pareça, o Magdeburg ficou mais perto de fazer o terceiro gol do que o Milan de descontar – e muito mais. Pizzaballa precisou fazer uma defesaça para mandar para escanteio um belo arremate de Sparwasser, enquanto uma linda trama dos alemães-orientais pelo lado direito teve até uma obscena ajeitada de calcanhar de Raugust para Hoffmann, que finalizou desequilibrado e perdeu ótima chance quase da risca da pequena área. Por fim, se aproveitando dos adversários desanimados, Tyll tirou tinta da trave ao carregar a bola e chutar rasteiro.
No momento em que o árbitro Arie van Gemert fez soar o apito final, o contraste era evidente. De um lado, os jogadores e a delegação do Magdeburg festejavam um feito histórico. Era o primeiro time da Alemanha Oriental a faturar um título de competições da Uefa e só mais outros dois chegariam a decisões de torneios continentais – o Carl Zeiss Jena, em 1981, e o Lokomotive Leipzig, em 1987, amargaram o vice da Recopa. No outro corner, rossoneri com cara de fim de feira. E foi mais ou menos isso mesmo o que ocorreu, pois o Milan passou por algumas reformulações malsucedidas e só voltou a conquistar uma taça em 1977, quando levantou o troféu da Coppa Italia.
Magdeburg: Schulze; Enge, Gaube, Zapf, Abraham; Seguin, Pommerenke, Tyll; Raugust, Sparwasser, Hoffmann. Técnico: Heinz Krügel. Milan: Pizzaballa; Anquiletti, Sabadini, Lanzi, Schnellinger, Maldera; Tresoldi, Benetti, Rivera, Bergamaschi (Turini); Bigon. Técnico: Giovanni Trapattoni. Gols: Lanzi (contra; 43′) e Seguin (75′) Árbitro: Arie van Gemert (Países Baixos) Local e data: estádio De Kuip, Roterdã (Países Baixos), em 8 de maio de 1974
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