Calciopédia
·28 de fevereiro de 2022
Calciopédia
·28 de fevereiro de 2022
Um dos uniformes mais bonitos da Itália pertence ao tradicional e charmoso Vicenza, time mais antigo da região do Vêneto. Fundado em 1902, o clube viveu ao longo de sua história altos e baixos no cenário nacional. Destacam-se a estreia na elite em 1910; muitas passagens pela segunda e terceira divisões; o futebol total e encantador de Gibì Fabbri, na década de 1970; e o ápice de sua história, com a conquista de seu título mais expressivo: a Coppa Italia da temporada 1996-97.
Essa conquista foi importante pois permitiu que o Vicenza participasse pela segunda vez de um torneio organizado pela Uefa e jogasse contra outros grandes do continente na Recopa, antiga competição que reunia os campeões das copas europeias. A campanha do clube italiano foi das mais dignas: os garotos comandados por Francesco Guidolin alcançaram a semifinal e só caíram para o Chelsea, vitorioso naquela edição do certame.
O conto de fadas do modesto clube vicentino começou a ser escrito a partir de 1994, quando Guidolin foi contratado e comandou a volta do Vicenza ao cenário nacional. A agremiação passara por sérios problemas financeiros e chegou a frequentar a Serie C1 durante seis temporadas até voltar à segunda categoria em 1993. Após uma campanha mediana, a diretoria biancorossa buscou o jovem treinador vêneto, gabaritado por ter feito o Ravenna ascender à segundona. Com o novo técnico, os berici terminaram o certame na terceira posição e retornaram à elite após 16 anos de ausência.
Para a temporada 1995-96, o técnico recebeu reforços: chegaram o sueco Joachim Björklund e os uruguaios Gustavo Méndez e Marcelo Otero. Eles contribuíram bastante na decente trajetória do time na Serie A: os biancorossi terminaram em nono lugar e garantiram a permanência na elite. Firmados, os sul-americanos estiveram presentes nas campanhas seguintes, que consolidaram o trabalho de Guidolin à frente do Vicenza.
Na temporada 1996-97, o time já estava mais ajeitado: tinha uma base e um estilo de jogo muito característico de Guidolin. Alternando entre o 4-4-2 e o 3-5-2, o técnico exigia muita movimentação de seus vigorosos homens de meio-campo, além de agressividade na fase defensiva, quando suas peças encurtavam os espaços para que os adversários não criassem jogadas. Os alas também possuíam papel preponderante, pois o treinador gostava que eles fossem bem ofensivos e oferecessem mais opções de passes para os colegas.
Na semifinal da Recopa, o Vicenza encontrou um velho conhecido: Vialli, jogador e técnico do Chelsea (Allsport)
Através de grandes atuações, o Vicenza daquela temporada superou a colocação anteriormente conquistada na Serie A – obteve o oitavo posto – e evocou os bons momentos de Fabbri e Paolo Rossi o voltar a competir por títulos. Na Coppa Italia, os berici superaram Lucchese e Genoa nos estágios iniciais e encontraram o Milan nas quartas de final. O jogo de ida foi em San Siro e terminou empatado em 1 a 1, com direito a lei do ex aplicada por Roberto Baggio, que fora revelado pelos biancorossi – o tento visitante foi de Gabriele Ambrosetti. A volta, no estádio Romeo Menti, não teve bolas nas redes e o time vêneto avançou para pegar o Bologna na semifinal.
Os confrontos que antecederam a decisão foram pegados e muito difíceis. A equipe do Bologna vinha de um placar elástico na última fase, na qual venceu a Cremonese por 5 a 2 no agregado. Contudo, no primeiro jogo deu Vicenza, por 1 a 0, graças a Roberto Murgita. No segundo, os emilianos venciam até os 88 minutos, quando Giovanni Cornacchini marcou e garantiu a vaga biancorossa na grande final, contra o Napoli.
O Vicenza encontrou um San Paolo superlotado e saiu derrotado por 1 a 0 no jogo de ida da final. Na volta, os biancorossi sabiam que seria difícil reverter o placar, mas foram impulsionados pela festa de sua torcida e conseguiram igualar o duelo no tempo normal, o que levou a partida à prorrogação. No fim do período adicional, os gols de Maurizio Rossi e Alessandro Iannuzzi se juntaram ao de Giampiero Maini e, graças ao 3 a 0, o título ficou no Vêneto: a nobre provinciana estava pronta para voltar a desfrutar das noites europeias.
Na temporada 1997-98, o Vicenza não teve grande desempenho nos torneios nacionais – foi 14º colocado da Serie A e não teve sucesso em defender seu título da Coppa, já que caiu para o Pescara na segunda fase da competição. Na Europa, porém, os biancorossi teriam uma caminhada histórica.
Além de Vialli, o Chelsea que enfrentou o Vicenza tinha os também italianos Di Matteo e Zola (Allsport)
O sorteio da Recopa reservou o Legia Varsóvia como primeiro adversário do Vicenza. Na estreia, gols de Pasquale Luiso e Ambrosetti garantiram o triunfo por 2 a 0, enquanto a volta, na Polônia, terminou empatada em 1 a 1 – Lamberto Zauli anotou o tento italiano. Já nas oitavas, os vicentinos tiveram como oponente o Shakhtar Donetsk, que vivia o início da administração do magnata Rinat Akhmetov e ainda não contava com investimento tão robusto. Assim, os biancorossi se classificaram com os pés nas costas: venceram os dois jogos (3 a 1 na Ucrânia e 2 a 1 na Itália) com show de Luiso, que colocou três bolas nas redes.
Nas quartas, os italianos ficaram frente a frente com o Roda, modesto clube da Holanda que vivia o melhor momento de sua história – além do título da copa nacional, em 1997, dois anos antes fora vice-campeão neerlandês. Apesar da boa fase dos aurinegros, a disparidade técnica entre as equipes foi evidenciada pela facilidade com que o Vicenza avançou: placar agregado de 9 a 1. Luiso novamente foi o grande destaque individual do time biancorosso, com dois gols marcados no 4 a 1 fora de casa e mais um no 5 a 0 no Vêneto. Os outros seis tentos dos berici foram anotados por jogadores diferentes, numa bela amostra da coletividade proposta por Guidolin.
Apenas três anos depois de retornar à Serie A, o Vicenza jogaria a sua primeira semifinal europeia. Invicto na competição, o time vêneto encararia um Chelsea repleto de italianos: Roberto Di Matteo, Gianfranco Zola e Gianluca Vialli, sendo que este último acumulava as funções de jogador e técnico. Anteriormente, os Blues haviam eliminado Slavia Praga (duas vitórias por 2 a 0), Tromso (derrota por 3 a 2 e triunfo por 7 a 1) e Betis (sucessos por 2 a 1 e 3 a 1).
Os berici começaram bem na partida, efetuando trocas de passe interessantes. E foi numa delas que, aos 16 minuto, abriram o placar: Fabio Viviani lançou Zauli, que se esticou para dominar a bola com a ponta do pé, já tirando do volante Eddie Newton antes de chutar colocado, de canhota, no canto oposto do goleiro Ed de Goey. Com a vantagem de um gol, os biancorossi seguraram os Blues até o apito derradeiro. Embora tenha criado várias chances, o Chelsea não foi capaz de empatar ou reverter o resultado, o que levou a definição do finalista para a Inglaterra.
Depois de ter vencido em casa, o Vicenza do goleiro Brivio teve dificuldades no tenso duelo de Stamford Bridge (Allsport)
Confiante de que poderia manter a vantagem na casa do adversário, o Vicenza teve um início de jogo muito promissor em Stamford Bridge. Após jogada de Zauli e Ambrosetti, Luiso recebeu passe açucarado do trequartista e chutou à meia altura para vencer De Goey, abrindo o placar para o time biancorosso, aos 32 minutos. Era a realização de um sonho, a chance de um conto de fadas se tornar realidade. Pasquale chegava ao seu oitavo gol na competição, era o artilheiro do certame e estava cheio de confiança, assim como todo o elenco dos berici.
Entretanto, o Chelsea não era qualquer equipe e partiu para cima dos italianos, com o reforço vindo das arquibancadas de seu estádio. Os ingleses precisavam de três gols para reverter o resultado e garantir a vaga na final. Para a infelicidade do Vicenza, foi exatamente o que aconteceu em Londres.
O empate dos Blues aconteceu dois minutos depois de Luiso comemorar com o dedo na boca, pedindo silêncio à torcida inglesa. Aos 34, Vialli tentou uma jogada e a bola caiu nos pés de Graeme Le Saux, que cruzou para a área; na sobra, Zola chutou forte e o goleiro Pierluigi Brivio espalmou para o lado. No entanto, o ofensivo meia uruguaio Gustavo Poyet estava bem posicionado e rebateu para as redes. Antes de o primeiro tempo acabar, Luiso ainda balançou as redes outra vez, mas teve o gol anulado por impedimento.
O segundo tempo começou com pressão do time inglês. Aos 50 minutos, então, o Chelsea virou o placar com seus dois principais jogadores – que, vale lembrar, eram italianos. Vialli recebeu no flanco direito, avançou e efetuou um cruzamento milimétrico para o baixinho Zola. Do alto de seu 1,68m, o craque sardo nem precisou saltar para cabecear forte e fuzilar Brivio, que sequer teve chance de defesa.
Com escolhas felizes como treinador e ótimas jogadas no ataque, Vialli foi fundamental para que o Chelsea superasse o Vicenza (Allsport)
Impulsionados pelo gol que lhes deixava a mais um tento da classificação, os Blues continuaram em cima. Vendo do que precisava a seu lado dentro de campo, Vialli fez a substituição correta: tirou o volante Newton e deu espaço ao veterano atacante Mark Hughes. Aos 76 minutos, o galês aproveitou um lançamento do arqueiro De Goey, dividiu no alto com o zagueiro Giacomo Dicara e acabou ajeitando, de cabeça, para si mesmo. Da quina esquerda da grande área, finalizou seco, em diagonal, para vencer Brivio e ampliar o placar.
O resultado mandava os berici para casa e, por isso, eles tentaram reagir nos minutos finais. Guidolin lançou os atacantes Otero e Arturo Di Napoli nas vagas dos meio-campistas Angelo Schenardi e Domenico Di Carlo, mas não houve condições para oferecer uma resposta firme. Aos 89 minutos, para completar, Massimo Ambrosini foi expulso após receber o segundo cartão amarelo.
Era o final de um sonho continental para o Vicenza. Mas não faltaram motivos para se orgulhar. Para um time que não figurava nas prateleiras mais altas do futebol italiano, chegar a uma semifinal de uma competição da Uefa significava muito. Guidolin e seus pupilos colocaram o nome do clube em evidência na Europa. Além disso, o artilheiro da competição foi Luiso, com oito gols.
O Chelsea acabou batendo o Stuttgart, com gol de Zola, e se sagrou campeão da Recopa Uefa. O Vicenza, por sua vez, viu Guidolin rumar à Udinese para a disputa da temporada 1998-99 e terminou rebaixado para a Serie B. Os biancorossi retornaram à elite imediatamente, mas só passaram um ano na primeira divisão. Depois de nova queda, em 2001, a agremiação atravessou crises técnicas e financeiras, chegando a falir e ser refundada, em 2018. Longe dos melhores dias, os torcedores da nobre provinciana podem apenas recuperar na memória as lembranças daquelas mágicas noites europeias.
Vicenza: Brivio; Méndez, Belotti, Dicara, Viviani; Schenardi (Stovini), Di Carlo, Ambrosini, Ambrosetti (Beghetto); Zauli (Firmani); Luiso. Técnico: Francesco Guidolin. Chelsea: De Goey; Clarke, Duberry, Leboeuf; Petrescu (Flo), Di Matteo, Newton, Wise, Le Saux; Zola (Morris), Vialli. Técnico: Gianluca Vialli. Gol: Zauli (16′) Árbitro: Manuel Díaz Vega (Espanha) Local e data: estádio Romeo Menti, Vicenza (Itália), em 2 de abril de 1998
Chelsea: De Goey; Clarke, Duberry, Leboeuf, Le Saux; Morris (Charvet), Newton (Hughes), Wise; Poyet; Zola (Myers), Vialli. Técnico: Gianluca Vialli. Vicenza: Brivio; Méndez, Belotti, Dicara, Viviani (Stovini); Schenardi (Di Napoli), Di Carlo (Otero), Ambrosini, Ambrosetti; Zauli (Firmani); Luiso. Técnico: Francesco Guidolin. Gols: Poyet (34′), Zola (50′) e Hughes (74′); Luiso (32′) Cartão vermelho: Ambrosini. Árbitro: Marc Batta (França) Local e data: Stamford Bridge, Londres (Inglaterra), em 16 de abril de 1998
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