Eraldo Monzeglio, o bicampeão mundial esquecido pelos estreitos laços com o fascismo | OneFootball

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Calciopédia

·30 de setembro de 2019

Eraldo Monzeglio, o bicampeão mundial esquecido pelos estreitos laços com o fascismo

Imagem do artigo:Eraldo Monzeglio, o bicampeão mundial esquecido pelos estreitos laços com o fascismo

Há um risco inerente à radical tomada de um lado na discussão política. Aquele que apoia cegamente uma ideologia carrega consigo o peso de seus erros e se cobre com todo o ônus que ela, eventualmente, traga a uma sociedade. Aconteceu com os adeptos de primeira hora do fascismo e os apoiadores do regime até a sua queda. Essas pessoas foram coniventes com diversas atrocidades e, ainda que não tenham participado diretamente de atos criminosos, foram ostracizadas – elas próprias ou o seu legado – pela sociedade contemporânea. Tal situação ocorreu com Eraldo Monzeglio, jogador bicampeão mundial pela Itália.

Nascido em uma pequena cidade em Piemonte, norte da Itália, Eraldo começou a jogar nas divisões de base do Casale, time de sua província. Na época, a formação nerostellata jogava a primeira divisão e havia sido campeã nacional poucas temporadas antes. Em 1923, aos 17 anos, Monzeglio subiu para os profissionais e começou a jogar como defensor, chamando atenção de olheiros de todo o país.


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Em 1926, o time piemontês teve problemas financeiros e cedeu o jogador para o Bologna, que era um dos melhores times italianos naquela época. Monzeglio viajou para a Emília-Romanha e se tornou companheiro de equipe de grandes nomes, como o atacante Angelo Schiavio. O comandante daquela formação imponente, lembrada até hoje, era Hermann Felsner.

Com o título em 1929, o esquadrão bolonhês ganhou ainda mais fama nacional e internacional. Como consequência, no ano seguinte o piemontês começou a ser convocado por Vittorio Pozzo, técnico da seleção italiana, mesmo não tendo um porte físico para sua posição. Com apenas 1,72m e 67 quilos, tinha uma grande desvantagem em relação aos atacantes, mas conseguia compensá-la em seu senso de posicionamento, desarmes e bolas longas ao ataque. Era um perfeito defensor lateral tanto para o “método” de Pozzo quanto para o WM em que atuava no seu clube.

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Monzeglio foi convocado para a Copa do Mundo de 1934 e jogou quatro das cinco partidas da Itália no torneio, garantindo a solidez defensiva necessária para o primeiro título mundial dos azzurri. Um ano depois, o lateral se transferiu para a Roma, clube em que teve menos sucesso do que no Bologna. Pelos rossoblù, além de campeão italiano, venceu duas Copas Mitropa – competição internacional que é considerada  como uma das precursoras da Liga dos Campeões. Com a camisa giallorossa, Eraldo obteve apenas o vice-campeonato nacional em 1936.

Enquanto defendia a Roma, Monzeglio continuou sendo convocado para a seleção nacional. Mesmo envelhecido, o defensor acabou participando também da Copa de 1938, na qual disputou apenas o jogo de estreia, que também viria a ser o seu último com a camisa azul Savóia. Eraldo é um dos quatro italianos que conseguiram ser bicampeões mundiais – os outros são Guido Masetti, Giovanni Ferrari e Giuseppe Meazza.

No fim da temporada seguinte, Monzeglio se aposentou do futebol como jogador profissional, com mais de 400 jogos disputados e cinco tentos. O zagueiro tinha 33 anos e alguma lenha para queimar, mas tinha outros planos naquele momento. Ideias que haviam motivado sua transferência para a Roma.

A troca do Bologna pela Roma não foi um mero acordo esportivo: o intuito de Monzeglio era estreitar ainda mais seus laços com Benito Mussolini. A amizade com o Duce era pública e começou em 1934, quando o zagueiro se tornou o professor de tênis e o preparador físico da família do ditador. Isso colocou um grande ponto de interrogação em sua trajetória: Eraldo, o defensor franzino, fora convocado para dois Mundiais pela sua capacidade técnica ou porque era amigo de Mussolini? Perguntas do mundo do futebol que jamais iremos saber a resposta.

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A afinidade de Monzeglio com os ideais pretensamente patrióticos do fascismo era tão grande que o ex-jogador decidiu ser voluntário na II Guerra Mundial. O ex-defensor foi oficial na malfadada campanha italiana na Rússia, que terminou com o exército fascista praticamente dizimado – entre os cerca de 300 mil soldados enviados, 75 mil morreram e 40 mil se feriram gravemente ou acabaram congelados. A clamorosa derrota na frente oriental fez com que o rei Vittorio Emanuele III rompesse com Mussolini e o destituísse, para que fosse assinado um armistício com os Aliados.

O Duce foi preso, mas acabou resgatado por uma missão alemã um mês e meio depois. A Itália estava sob o domínio dos nazistas em todo o norte, a partir de Roma, e Mussolini ficou a cargo de tocar o estado-fantoche, batizado de República de Salò, pois sua sede ficava na homônima cidadezinha na província de Brescia. Segundo o Corriere della Sera, um dos principais jornais italianos, Monzeglio acompanhou o ditador também nessa etapa, após retornar à Itália.

“Eraldo Monzeglio permaneceu com os Mussolini até o último dia. Monzeglio morava na Villa Feltrinelli [residência do ditador em Gargnano, às margens do Lago de Garda] e comia à mesa com Rachele [esposa de Benito]. Mussolini não ia almoçar, geralmente comia em seu escritório na Villa Orsoline, duzentos metros adiante. Rachele o enviava a Verona para buscar óleo e manteiga contrabandeados. O famoso lateral havia se tornado o faz-tudo da família”, informava um artigo escrito no jornal, em meados dos anos 1990.

Após o final do regime e a execução do ditador, Eraldo se dedicou à carreira de técnico – bastante modesta, se a compararmos ao seu período dentro das quatro linhas. Seu passado como colaborador de Mussolini não o atrapalhou nessa empreitada – ainda que, anos depois, seu legado fosse questionado. Monzeglio iniciou seu período na linha lateral treinando o Como, em 1946, e depois a Pro Sesto, por mais dois anos. Ambos os times disputavam a Serie B e terminaram as temporadas sob o comando do bicampeão mundial em posições no meio da tabela.

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Em 1949, Eraldo iniciou seu trabalho mais duradouro fora das quatro linhas: ficou à frente do Napoli por sete anos. O piemontês tirou os campanos da Serie B e os colocou na briga por títulos, chegando a deixar os azzurri entre os seis melhores da Serie A em cinco anos seguidos, até entregar o cargo, em 1956 – na última campanha, os partenopei lutaram para não cair. Até os dias de hoje, nenhum treinador ficou tantos anos consecutivos no comando do Napoli.

Depois de uma bem-sucedida passagem aos pés do Vesúvio, Eraldo aceitou treinar o Monza, na Serie B, e uma temporada depois assinou com a Sampdoria. Durante três anos em Gênova, surpreendeu a Itália ao levar a equipe à quinta posição da Serie A, em 1959, e à quarta, em 1961 – pelo bom trabalho, ganhou o prêmio Seminatore d’Oro, dado ao melhor técnico do país.

Em 1962, retornou ao Napoli como diretor técnico para garantir que o jovem Bruno Pesaola pudesse exercer o comando da equipe – na Itália, treinadores sem licença só podem atuar caso outro seja, no papel, o responsável pelo time. Depois do rebaixamento azzurro, ficou alguns meses parado, mas o destino lhe reservou a realização de seu sonho de criança: treinar a Juventus.

O brasileiro Paulo Amaral foi demitido após a quarta rodada da Serie A 1963-64 e Monzeglio o substituiu. Contudo, o piemontês durou 20 rodadas no cargo e também acabou exonerado – a Velha Senhora terminaria a temporada na quinta colocação no campeonato. Após breves passagens por Chiasso, da Suíça, e Lecco, Eraldo aposentou-se em 1973.

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Monzeglio faleceu no início da década de 1980, em Turim, aos 75 anos, e foi enterrado na província onde nasceu, ao lado de Umberto Caligaris. Ex-zagueiro da Juventus, Caligaris também foi ídolo do Casale e foi o responsável por descobrir o futebol de Eraldo, quando este ainda era adolescente. Ademais, os dois foram companheiros na zaga nerostellata por três anos. Em 2013, Monzeglio também recebeu a honra de entrar para o Hall da Fama do Futebol Italiano. Foi o primeiro reconhecimento que o piemontês recebeu desde sua morte.

Sem sombra de dúvida, os livros de história são implacáveis e não costumam perdoar amizades pessoais com ditadores ou laços estreitos com governantes autoritários. Eraldo ganhou duas Copas do Mundo, mas sempre será lembrado como o defensor que trocava declarações amigáveis com Mussolini, trocou de time para ficar mais perto dele e, inclusive, serviu à sua família.

Serve de conselho para alguns jogadores atualmente, tanto no Brasil quanto na Itália, que acham uma boa ideia colaborarem e se colocarem ao lado de certos políticos com tendências antidemocráticas. Hoje, na cabeça deles, pode até parecer um bom negócio, mas historicamente, eles sempre estarão do lado errado. E isso ofuscará até a glória máxima de um título mundial.

Eraldo Monzeglio Nascimento: 5 de junho de 1906, em Vignale Monferrato, Itália Morte: 3 de novembro de 1981, em Turim, Itália Posição: zagueiro e lateral-direito Clubes como jogador: Casale (1923-26), Bologna (1926-35) e Roma (1935-39) Títulos como jogador: Campeonato Italiano (1929), Copa Internacional (1930 e 1935), Copa Mitropa (1932 e 1934) e Copa do Mundo (1934 e 1938) Clubes como técnico: Como (1946-47), Pro Sesto (1947-49), Napoli (1949-56 e 1962-63), Monza (1956-57), Sampdoria (1958-62), Juventus (1963-64), Chiasso (1966 e 1973) e Lecco (1967) Títulos como técnico: Serie B (1950) Seleção italiana: 35 jogos

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