Trivela
·07 de fevereiro de 2022
Trivela
·07 de fevereiro de 2022
A história grandiosa do Egito na Copa Africana de Nações dependeu de seus goleiros. As conquistas dos Faraós nos torneios continentais tiveram repetidas vezes seus arqueiros entre os protagonistas. Essam El Hadary foi indiscutivelmente o maior de todos, onipresente no tricampeonato entre 2006 e 2010. Mas, antes dele, outros se consagraram – como Thabet El-Batal em 1986 e Nader El-Sayed em 1998. Nesta CAN 2022, Gabaski parecia pronto a integrar esse panteão. O goleiro do Zamalek precisou assumir a bronca depois da lesão de Mohamed El Shenawy e, mesmo também se contundindo, virou o grande herói da caminhada dos egípcios até a final. A decisão contra Senegal guardou exatamente a atuação mais fantástica de Gabaski. Pegou tudo para segurar o 0 a 0 nos 120 minutos, incluindo o pênalti de Sadio Mané, e ainda defendeu outro penal na disputa derradeira. Mas, se não deu para ficar com a taça, o prêmio de melhor em campo acaba em ótimas mãos. O arqueiro emergencial também tem seu lugar na história desta CAN.
Antes da CAN, Gabaski era um nome pouquíssimo conhecido para os torcedores fora do Egito. A carreira do goleiro de 33 anos demorou a realmente estourar internacionalmente. Formado pelo Enppi, tradicional clube local, o jovem despontou na temporada 2010/11. Virou titular logo em sua primeira campanha como profissional, aos 22 anos, e se tornou um nome bem cotado na liga local. Entretanto, essa progressão seria interrompida em fevereiro de 2012 pelo desastre de Port Said, que paralisou o Campeonato Egípcio por quase dois anos até a retomada em dezembro de 2013. Neste intervalo, o novato permaneceu inativo. Pelo menos conseguiu descolar um contrato com o Zamalek, uma das potências nacionais.
Gabaski esquentou o banco do Zamalek por três temporadas. Teria raras sequências como titular e não se firmou quando ganhou um pouco mais de espaço. Não tinha muitas perspectivas no clube diante da presença de Ahmed El Shenawy (sem parentesco com Mohamed), que frequentava a seleção do Egito e chegou até a tomar a posição de El Hadary nos Faraós por um tempo. Em 2016, aos 27 anos, Gabaski deu um passo para trás na carreira e assinou com o Smouha, um clube de meio de tabela no Campeonato Egípcio. Dono da posição na nova equipe, o camisa 1 aprimorou sua forma e se tornou um dos principais arqueiros da liga nacional. Foram três temporadas por lá, até que o Zamalek reaparecesse na história – meio a contragosto.
Ahmed El Shenawy tinha sido contratado pelo Pyramids em 2018, com a titularidade do Zamalek assumida por Gennesh. Porém, este se lesionou e a diretoria precisou correr atrás de uma nova opção em julho de 2019. Reserva da seleção, Mohamed Awad era o favorito, mas o Ismaily fez exigências muito altas para vendê-lo e o Zamalek congelou o negócio. Gabaski recebeu o chamado e aceitou o novo contrato. Entretanto, logo depois viria o acerto do clube com Awad.
Gabaski começou no banco durante o Campeonato Egípcio de 2019/20, mas assumiu a posição em dezembro de 2019. Afirmou-se na disputa ferrenha pela titularidade. Quando Gennesh voltou, Awad virou apenas a terceira opção. Já em 2020/21, mesmo atrapalhado por uma lesão, Gabaski teria momentos importantes com o clube. Ajudou o Zamalek a conquistar a liga nacional depois de um hiato de seis anos. A ótima forma o credenciava para mais, mesmo que chegasse aos 33 anos. A seleção virava uma realidade.
Gabaski até fez parte da seleção sub-20 do Egito, reserva no Mundial da categoria em 2009. Já sua ascensão pelo Enppi rendeu a primeira convocação para o time principal em setembro de 2011, num amistoso contra Serra Leoa, mas deixaria de ser chamado depois disso. Só voltou a figurar no banco dos Faraós em março de 2019, reconhecido pelo técnico Javier Aguirre por seu bom momento com o Smouha – mas só contatado depois do corte, vejam só, de Mohamed Awad por lesão. Gabaski também ficaria na reserva em dois jogos na Data Fifa de novembro de 2020. Foi só a partir de setembro de 2021 que realmente ganhou sequência nas convocações dos egípcios, graças ao ápice com o Zamalek.
Gabaski reestreou pela seleção em setembro de 2021, dez anos depois de sua primeira partida, num amistoso contra a Libéria. Nesta sequência, também precisou substituir Mohamed El Shenawy no duelo contra a Líbia pelas Eliminatórias da Copa de 2022. Ainda assim, quando chegou à Copa Africana de Nações, era um goleiro de 33 anos com apenas três jogos pelo Egito no nível principal. Após contrair COVID-19, sequer ficou no banco durante a estreia contra a Nigéria, mas se recuperaria e seria relacionado para os duelos contra Guiné-Bissau e Sudão.
Gabaski (CHARLY TRIBALLEAU/AFP via Getty Images)
A história de Gabaski mudou a partir das oitavas de final da CAN, contra Costa do Marfim. El Shenawy se lesionou aos 43 do segundo tempo e o reserva precisou segurar o rojão na prorrogação. Foi quando começou a brilhar. Realizou uma defesaça num chute de longe de Ibrahima Sangaré e, na disputa por pênaltis, pegou o chute de Eric Bailly. Foi determinante à classificação dos egípcios, que não teriam mais El Shenawy pelo restante do torneio, com uma contusão muscular. Até parecia uma perda considerável, levando em conta a experiência do arqueiro do Al Ahly e sua ótima forma na fase de grupos, eleito o melhor da competição até então. Gabaski conseguiu extrapolar o companheiro nos mata-matas, tal qual um Gedo de luvas.
Diante de Marrocos, nas quartas de final, Gabaski enfrentou um drama. Seriam duas defesas importantes do goleiro no segundo tempo, primeiro numa falta de Munir El Haddadi e depois numa cabeçada à queima-roupa de Nayef Aguerd. O milagre neste lance fez o arqueiro sentir a virilha. A reta final do jogo e o início da prorrogação se resumiram à luta do goleiro com o próprio corpo, se recusando a se entregar. Por fim, aceitou sair para a entrada do jovem Mohamed Sobhi, estreante pela seleção. Apesar de certa insegurança, o novato não comprometeu, até porque Mohamed Salah e Trezeguet evitaram os pênaltis com a vitória por 2 a 1. Gabaski, que não escondeu as lágrimas ao sair e depois foi orientar Sobhi atrás do gol, pôde comemorar.
O Egito contou com o retorno de Gabaski para a semifinal contra Camarões. O goleiro não seria tão exigido durante o empate sem gols dos 120 minutos, mas demonstrou firmeza quando teve que trabalhar, embora ainda sentisse a lesão de tempos em tempos. Ele voltaria mesmo a prevalecer na disputa por pênaltis, ao defender os chutes de Harold Moukoudi e James Léa Siliki, que facilitaram muito a vitória do Egito por 3 a 1. Repetiam-se as cenas das outras partidas: Gabaski tinha o apoio de Mohamed El Shenawy e principalmente de Essam El Hadary, a lenda que atualmente compõe a comissão técnica como treinador de goleiros. O camisa 16 podia contar com o melhor professor possível em busca da consagração na Copa Africana.
Gabaski terminou a CAN como grande nome da final. A atuação do camisa 16 contra Senegal foi perfeita, especialmente por ser desafiado por um pênalti logo aos sete minutos. Orientado por Salah, agigantou-se diante de Sadio Mané e evitou o prejuízo logo cedo. No restante do primeiro tempo, Gabaski não teria outras ameaças tão grandes. Ele trabalhou mais na segunda etapa, quando se manteve sempre atento para fazer algumas intervenções vitais nos pés dos atacantes senegaleses. Já na prorrogação, a sobrevida dos egípcios se deveu ao arqueiro. Gabaski faria duas defesaças no primeiro tempo, num chute cruzado de Bamba Dieng e depois numa cabeçada do jovem que tinha endereço. No segundo tempo extra, o duelo particular ganhou mais um capítulo num chute de Dieng, igualmente rechaçado pelo paredão. Na disputa por pênaltis, de novo, poderia ficar com o troféu.
Gabaski teria que concorrer com Édouard Mendy, eleito pela Fifa melhor goleiro do mundo. A Copa Africana feita pelo egípcio, no entanto, dava a esperança de que aquele poderia ser o seu momento e ele não se intimidaria contra os senegaleses. Bater o primeiro penal deve ter sido difícil a Kalidou Koulibaly, considerando a partidaça de Gabaski. O arqueiro tocou na bola, mas a viu morrer nas redes. Depois de Mohamed Abdelmoneim errar o alvo na terceira cobrança do Egito, Gabaski faria valer sua grande noite logo na sequência, ao defender a batida de Bouna Sarr, a terceira dos Leões da Teranga. Porém, com Mohanad Lasheen parado por Mendy no quinto tiro egípcio, Gabaski precisaria encarar de novo Sadio Mané. O craque não falharia duas vezes. Conseguiu superar o paredão e confirmou o troféu inédito para os senegaleses.
Gabaski era um dos mais abatidos depois do apito final, às lágrimas. Também chorava quando, merecidamente, recebeu o troféu de melhor em campo. O Egito só manteve suas esperanças de título até o último momento por causa do arqueiro. Contudo, ele não seria capaz de repetir El Hadary e oferecer o octacampeonato para os Faraós. O camisa 16 também merecia ter recebido o prêmio de melhor goleiro da competição, por mais que a condecoração esteja em boas mãos com Édouard Mendy. A campanha do egípcio foi fabulosa, até pela maneira como ele lidou com a pressão e mostrou serviço.
Se tomar o exemplo de El Hadary, os 33 anos de Gabaski não dizem muito sobre seu tempo na seleção do Egito. E a forma demonstrada nessa CAN pode fazê-lo reivindicar o posto de titular. Mohamed El Shenawy é um dos melhores arqueiros da África e também vinha em grande forma, mas o que fez Gabaski indica que ele não pode ser automaticamente reserva. É ver o que Carlos Queiroz decidirá durante o reencontro com Senegal no duelo decisivo pelas Eliminatórias, em março. Se for mantido na posição, Gabaski será uma razão para amedrontar os Leões da Teranga. Certamente terá mais ganas de uma revanche, depois da façanha que lhe foi tirada. Ainda assim, a CAN garante um estrelato pouco provável ao camisa 16, e isso já vale para transformar sua trajetória no futebol.