Ídolo de San Lorenzo e Botafogo, Fischer não precisou de uma Copa do Mundo para ser eterno | OneFootball

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·19 de outubro de 2020

Ídolo de San Lorenzo e Botafogo, Fischer não precisou de uma Copa do Mundo para ser eterno

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Rodolfo Fischer é um grande elo que une Botafogo e San Lorenzo. O atacante pôde ser idolatrado em ambos os clubes, se colocando como um dos maiores pontas de lança do futebol sul-americano na virada dos anos 1960 para os 1970. Se faltaram taças para referendar sua grandeza com a camisa alvinegra, elas foram essenciais para eternizar sua lenda nos tempos azulgranas. E que a Copa do Mundo tenha virado uma lacuna ao jogador da seleção argentina, não impediu que o craque recebesse amplas homenagens cinco décadas depois de seu auge. Na última sexta-feira, Fischer faleceu aos 76 anos. Foi lembrado especialmente por San Lorenzo e Botafogo, onde sua história é insubstituível.

A ligação de Rodolfo José Fischer com o Brasil não se limita ao futebol. O atacante nasceu em Oberá, uma cidade localizada na região fronteiriça com o Rio Grande do Sul. Seu pai era gaúcho, descendente de alemães, enquanto a mãe era imigrante polonesa. Sua carreira começou graças ao incentivo do próprio pai, dirigente em um clube local. El Lobo chegou a estudar um ano de odontologia em Rosário, onde se provou nas categorias de base do Rosario Central, até realmente se envolver com a carreira profissional.


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Embora não morasse em Buenos Aires, Fischer seguiu direto ao San Lorenzo para se testar em 1963, aos 19 anos. Sofreu com as lesões e primeiro passou pelos juniores, até ganhar chances na equipe principal às vésperas de completar 21 anos. Dono de qualidade técnica e velocidade, além de boa estatura, o atacante levou algum tempo para realmente se tornar titular dos cuervos. Quando o fez, porém, emplacaria em um momento emblemático do clube. O matador despontou especialmente em 1967, quando foi artilheiro da equipe na temporada. Já no ano seguinte, sob as ordens de Tim, Fischer estrelou uma das conquistas mais celebradas do Gasómetro.

Se no início da década de 1960 o San Lorenzo fez sucesso com os chamados Carasucias, um time de muito talento ofensivo e vários garotos, parte da geração permanecia em Boedo para compor ‘Los Matadores’. Roberto Telch, Narciso Doval e Héctor Veira compunham o elenco, os dois últimos sem o mesmo prestígio de outrora. E, entre os que ascenderam, Fischer não ficava devendo aos antigos astros. A diretoria até tentou negociá-lo com o River Plate, mas a torcida impediu que o ídolo fosse vendido. O atacante viraria um dos homens de confiança de Tim, o treinador que deu consistência ao time e criou grande relação com seus comandados. O brasileiro declarava que seu ponta de lança era “inegociável”.

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O San Lorenzo conquistou o Metropolitano de 1968 com uma campanha invicta, algo até então inédito no profissionalismo argentino. A campanha na fase de classificação contou com 14 vitórias e oito empates, com destaque ao sofrido 2 a 2 no clássico contra o Huracán, em que Fischer foi decisivo para sustentar a invencibilidade. Nas semifinais, o Ciclón eliminou o River Plate com uma categórica vitória por 3 a 1 no Cilindro de Avellaneda. Já a decisão aconteceu no Monumental de Núñez, contra um fortíssimo Estudiantes, que acabara de conquistar sua primeira Libertadores. Com um gol para cada lado, a final seguiu à prorrogação. O gol do título, no segundo tempo extra, foi do Lobo: acertou um lindo chute de primeira, que ainda tocou o travessão antes de entrar.

O sucesso do San Lorenzo não se repetiu tão cedo. Ainda assim, Fischer permaneceu como um dos principais atacantes da Argentina. Em 1969, ele terminou como um dos artilheiros do Campeonato Nacional – a segunda parte da liga semestral. Foram 14 tentos na campanha, em que o Ciclón terminou a dois pontos de alcançar o campeão Boca Juniors. O San Lorenzo, todavia, não ganhou o direito de desafiar o Estudiantes na Libertadores de 1969, já que a federação não inscreveu os demais clubes do país na competição continental. O ponta de lança permaneceria implacável, com médias expressivas de gols também em 1970 e 1971.

Lobo Fischer era um nome recorrente na seleção argentina neste momento. O atacante disputou sua primeira partida com a Albiceleste ainda em 1967. Viraria titular recorrente em 1968, mas não fez parte da campanha nas Eliminatórias para a Copa de 1970, na qual os argentinos perderam a vaga no Mundial para o Peru. Sete jogadores acabaram ignorados após uma mudança de comando, entre eles El Lobo. Assim, veria sua grande chance de disputar o torneio escapar pelos dedos. Figurou nos amistosos preparatórios de Brasil e Uruguai ao México, titular na vitória por 2 a 0 sobre os futuros tricampeões dentro do Beira-Rio, dando o passe para o primeiro tento e desempenhando grande papel na frente. Meses depois, o ponta de lança foi pretendido pelo Inter e pelo Grêmio, mas o negócio não saiu das intenções.

Fischer se manteria no ataque da Argentina em 1971 e 1972. Este ano, aliás, seria marcante ao artilheiro. Ele fez parte de mais uma conquista no Campeonato Argentino. Foram 11 gols anotados em 12 aparições pelo Metropolitano de 1972, três deles numa goleada por 4 a 0 sobre o River em pleno Monumental – no qual também marcou o lendário José Sanfilippo, então seu parceiro de ataque. Seria um dos goleadores da equipe, mesmo deixando o Gasómetro no meio da campanha. Em abril de 1972, após pedir muito alto em sua renovação com os cuervos, o atacante acertou sua transferência ao Botafogo. Seu velho conhecido, Tim estava na casamata alvinegra e intermediou o acerto, em corrida que também teve o interesse do Fluminense.

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Já como jogador do Botafogo, Rodolfo Fischer teria papel de destaque na Taça Independência de 1972. El Lobo foi uma das referências ofensivas da Argentina na competição organizada no Brasil, para comemorar os 150 anos da independência do país. Anotou cinco gols na “Mini Copa”, sendo quatro em uma partida contra o combinado da Concacaf. Ao lado de Carlos Bianchi, Oscar Más, José Omar Pastoriza, Miguel Ángel Brindisi e outras feras, se destacou na campanha que rendeu o quarto lugar à Albiceleste.

Mesmo se tornando o primeiro jogador de um clube estrangeiro convocado à Argentina, Fischer se despediu da equipe nacional naquele momento. Aos 28 anos, contabilizava 35 partidas com a Albiceleste e 12 gols. Mas não que tenha se saído mal no Botafogo. Pelo contrário, o ponta de lança se tornou um emblema do clube, permanecendo por quatro anos em General Severiano. Ainda hoje segue como o estrangeiro que mais acumulou partidas pelos alvinegros (180 no total) e mais gols (68, cinco a mais que Loco Abreu).

Fischer compartilhou os vestiários do Botafogo com grandes craques, mas não a ponto de conquistar títulos, nos primeiros anos do amargo jejum alvinegro. Seu grande momento veio ainda em 1972, quando o atacante foi um dos protagonistas no vice-campeonato brasileiro. Os primeiros meses no clube foram difíceis, até pela intrincada regularização de sua situação, demorando a se apresentar após a Taça Independência. Também teve problemas para se adaptar (escalado como ponta esquerda) e encarou certa resistência dos companheiros – inclusive atritos com o próprio Jairzinho. O nervosismo se reproduzia em campo com gols perdidos e, mais do que a insatisfação da torcida, o novato levou os dirigentes botafoguenses a cogitarem sua venda em setembro. Ainda assim, a recuperação do argentino no Brasileirão gerou momentos inconfundíveis.

Fischer anotou um importante gol sobre o Santos de Pelé na reta final da campanha, em vitória fundamental para que o Botafogo chegasse às semifinais. Aos 43 do segundo tempo, o belo tento decisivo valeu uma classificação suada. De qualquer forma, o jogo mais lembrado daquela campanha ocorreu ainda na primeira fase, com os 6 a 0 sobre o Flamengo em novembro de 1972. Se o nome daquela partida no Maracanã foi Jairzinho, com três tentos, Fischer não deixou por menos e assinalou dois. “Eu não sei o que dizer, mas não esqueço o que a torcida, mesmo quando joguei mal, fez por mim – incentivando-me, gritando meu nome. Esta é a maior recompensa que um profissional pode receber: a identificação com seu público”, declarou ao Jornal dos Sports, após ser ovacionado pela torcida durante sua substituição no segundo tempo.

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Outro momento especial a Fischer ocorreu na Copa Libertadores de 1973, mesmo sendo utilizado como substituto em boa parte dos jogos. O Botafogo sobreviveu num grupo cascudo durante a primeira fase, no qual apenas o líder se classificava, superando Palmeiras, Nacional e Peñarol – com direito a um jogo de desempate contra os alviverdes no Maracanã, vencido pelos alvinegros com passe de Fischer para Jairzinho. A campanha se encerraria apenas no triangular semifinal, no qual o Colo-Colo terminou na ponta da chave, em que também aparecia o Cerro Porteño. Foi a única participação de El Lobo no torneio, com quatro gols anotados, dois deles na segunda fase. Além disso, ficou marcado por proteger Jairzinho da agressão policial na tumultuada derrota para o Cerro em Assunção.

Apesar da contribuição, Fischer voltaria a viver altos e baixos em General Severiano. Inclusive, com novos problemas de relacionamento na sequência de 1973. Introspectivo nos vestiários, mas explosivo dentro de campo, passaria a se isolar no hotel durante as concentrações. Chegou até a acusar os companheiros de “desinteresse e estrelismo”, o que gerou um racha no grupo. Ao menos o argentino correspondia nos jogos, ganhando importância com as saídas de Roberto Miranda e Jairzinho. O técnico Sebastião Leônidas lhe dava respaldo.

Fischer permaneceu no Botafogo até o início 1976, ainda parte da equipe vice-campeã do Carioca em 1975 sob as ordens de Zagallo, na qual era considerado um dos protagonistas e essencial à personalidade do ataque. Seu impacto e os números expressivos não foram suficientes para valer um troféu no Rio de Janeiro, ainda assim. Depois disso, o atacante de 32 anos aceitou o novo convite de Tim e se juntou ao Vitória. Em time que também contava com o goleiro Andrada, o ponta de lança viveu um período curto na Bahia, mas bastante efetivo: contabilizou 31 gols em 41 jogos com a camisa rubro-negra. Teve atuações marcantes em clássicos, mas não conseguiu faturar o Baiano de 1976 e também se envolveu em problemas de indisciplina. Então, voltaria a Boedo.

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A segunda passagem de Fischer pelo San Lorenzo foi breve, entre 1977 e 1978. O atacante ainda assim voltou a empilhar seus gols e a ser artilheiro do time. Não teria novas glórias, mas conseguiria se despedir com 141 tentos em 272 partidas, quarto maior goleador da história azulgrana e nono em aparições. Não encerraria sua carreira de imediato. Ainda teve bons momentos com a camisa do Once Caldas, antes de passar por Sarmiento de Junín e Sportivo Belgrano. Apenas em 1981, aos 37 anos, é que o Lobo se despediu dos gramados.

A representatividade de Fischer é grande. Deixou sua marca no Vitória e no Once Caldas, enquanto os recordes do Botafogo falam por si. Mas nada comparado à idolatria que seguiu recebendo até o fim da vida no San Lorenzo. As arquibancadas de um dos setores no Nuevo Gasómetro levam seu nome. E se o seu legado ao futebol está cristalizado, à seleção argentina o sangue do Lobo continua correndo, ainda que em outra modalidade. Filho mais novo do craque, Guillermo Fischer é ponta dos Gladiadores, a equipe nacional de handebol. Atua na Espanha e participou do último Mundial, bem como levou o ouro no Pan de 2019. Com o pai aprendeu o profissionalismo e herdou o espírito vencedor, de quem deixou marcas por onde passou.

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