PL Brasil
·16 de abril de 2021
PL Brasil
·16 de abril de 2021
No sudeste da Inglaterra, a aproximadamente 80 quilômetros de Londres, situa-se a pequena Lewes. Com um pouco mais de 17 mil habitantes, é uma cidade que não ocupa os holofotes do futebol mundial. Porém, todos deveriam ver e seguir a atitude do principal time da localidade. O Lewes FC promove igualdade salarial de jogadores e jogadoras desde 2017. É o primeiro – e único – time profissional ou semiprofissional que paga salários iguais para suas equipes masculina e feminina.
O Lewes FC é um clube totalmente sem fins lucrativos. A maioria dos times, na atualidade, são organizações privadas com investidores. No entanto, o Lewes é comunitário. Qualquer pessoa que se interessa pela mudança social que a organização promove pode se tornar um proprietário. Portanto, o principal objetivo do clube é possibilitar um benefício para a comunidade, com participação direta dos fãs nas atitudes tomadas pelo time.
A equipe masculina tem 135 anos. Atualmente, disputa a primeira divisão da Isthmian League, liga regional de futebol semiprofissional da Inglaterra. O clube fundou a equipe feminina em 2002. Em 2018, conseguiu uma vaga na FA Women’s Championship, a segunda divisão do futebol feminino na Inglaterra.
Apesar de não ser um dos times mais conhecidos na plataforma do esporte inglês, o Lewes conseguiu ser o pioneiro no avanço na paridade de gênero, tão discutida e necessária no futebol e na sociedade.
No início da temporada 2017/2018, o Lewes decidiu promover a igualdade salarial entre as suas duas equipes. Desse modo, o clube resolveu que investiria da mesma forma nas duas equipes e o valor salarial das jogadoras seria o mesmo dos jogadores. Com o objetivo, assim, de sensibilizar para a desigualdade de gênero.
A PL Brasil entrevistou Karen Dobres, codiretora do Lewes FC, que valorizou o pioneirismo do clube. “Se nós não deixarmos isso claro, ninguém mais deixará! O sexismo no futebol é extremo. Por muito tempo, as mulheres aceitavam migalhas de homens e ninguém tomava atitudes contra a injustiça em salários, recursos e visibilidade da mídia.”
“Dando às nossas jogadoras os mesmos recursos de marketing de nossos jogadores, nós vimos o número de torcedores no estádio em dias de jogos do time feminino quadruplicar em duas temporadas, provando que se a visibilidade dada ao futebol feminino se igualar ao masculino, o público também aumenta.”
Infelizmente, a sociedade insiste em dizer que o futebol feminino não é tão consumido quanto o masculino. Apesar disso, o Lewes é a prova de que o que a modalidade realmente precisa são os recursos certos, a visibilidade igualitária e o apoio devido.
“As pessoas diziam que éramos malucos em introduzir salários iguais e que isso não poderia ser feito. Bom, nós fizemos! Os dois times subiram na temporada seguinte, nossos públicos aumentaram, temos melhores patrocínios e atraímos muitas publicidades – nacionais e internacionais -. Então, é justo dizer que nós comprovamos que essas acusações são erradas”, frisou Karen.
Além disso, mais do que a igualdade salarial entre as suas duas equipes, o Lewes pensa que a ação de paridade representa uma participação maior e igual dos dois times.
“É da mesma forma importante que nossas jogadoras joguem no mesmo campo dos jogadores, compartilhem o mesmo estádio, tenham as mesmas condições de treino, e tenham a mesma estratégia de marketing. Elas têm o mesmo acesso aos psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas. É extremamente importante que nós contemos histórias sobre nossas jogadoras e destaquemos seus obstáculos e superações até chegarem onde estão hoje.”
Em 2017, quando a campanha foi lançada, o Lewes objetivava conscientizar o Reino Unido (e o mundo) para a importância de pequenas mudanças em prol do futebol feminino.
Como resultado, quatro anos depois, uma das melhores recompensas da campanha veio. O Hastings United, um pequeno clube inglês que se localiza em uma cidade próxima de Lewes, comunicou que, seguindo o exemplo do clube, também pagará o mesmo para seus jogadores e jogadoras. Karen disse que ela e todos do clube valorizam muito essa atitude e o exemplo que seu clube vem dando.
“Nós amaríamos influenciar grandes clubes também. E acreditamos que já tivemos certa influência nesses grandes clubes, em autoridades futebolísticas, no governo e na atenção da mídia. Porém, o fato é que nós precisamos da maior plataforma possível para nossa mensagem de igualdade. Isso significa a subida do nosso time feminino para a FA Women’s Super League. Precisamos também que nosso time masculino alcance melhores divisões.”
Em 2021, completam-se 80 anos em que autoridades governamentais proibiram o futebol feminino em diversos países, incluindo Inglaterra e Brasil. Quase um século depois, há avanços que precisam ser comemorados. Contudo, a luta pela igualdade ainda é necessária.
Karen diz que, apesar do sucesso da campanha do Lewes, a mídia poderia divulgar e reportar mais a importância da paridade de gênero.
“Transmitir mais jogos do futebol feminino é uma maneira muito boa de começar. As crianças deveriam conseguir assistir partidas da modalidade mais facilmente (na TV e nos estádios), e ver reportagens sobre o futebol feminino nos jornais e revistas. Porque meninos e meninas precisam ver jogadoras como exemplos para mudar a percepção do que é ser uma mulher. É extremamente importante que as mulheres sejam vistas bens disputando esportes (e principalmente futebol, já que é o esporte mais famoso do mundo).”
A realidade ainda é dura para o futebol feminino. Orçamentos inferiores para campanhas, prêmios menores e infra estruturas desiguais. Estes são alguns exemplos de que ainda não há igualdade entre o futebol masculino e feminino.
Da mesma forma, Karen reforçou a injustiça e a diferença de premiação aos campeões da FA Cup quando se trata de homens e mulheres.
“Nossa campanha é valiosa porque mostra a forma vergonhosa como as jogadoras foram e são tratadas há tanto tempo. No Reino Unido, os vencedores da FA Cup masculina recebem 1,8 milhão de libras e os vencedores da feminina apenas 25 mil libras. É desrespeitoso, mas ninguém fala muito sobre isso!”
Por isso, Karen Drobes acredita que a campanha do Lewes ajuda a mudar essa realidade. No entanto, precisa de mais visibilidade em plataformas e meios de comunicação mais influentes. A co-diretora do clube também explicou as condições do Lewes e suas perspectivas para o futuro.
“Queremos criar valor para a comunidade que nos é proprietária, e não gerar lucros para os acionistas como a maioria dos outros clubes de futebol.”
Além disso, frisou que o objetivo é se tornar o clube com mais proprietários do mundo.
“Portanto, se conseguirmos 10 mil proprietários, teremos os recursos de que precisamos para que nosso time feminino suba para a WSL. Se chegarmos a 150 mil proprietários poderemos vencer o campeonato (com o time masculino também indo bem, é claro, porque nós sempre dividiremos o orçamento igualmente). No momento, o Barcelona está com 150 mil, é por isso que precisamos chegar a esse valor (bom, digamos 160 mil!) E, assim, nos tornarmos o clube com mais proprietários.”
“Atualmente, temos 1.700 proprietários em 34 países. Somos donos do Lewes FC juntos porque usamos o futebol como um veículo para mudança social.”
Essa história do Lewes de igualdade salarial é um exemplo, na prática, de como o futebol pode usar suas ferramentas para a mudança da sociedade a favor de causas que precisam de representatividade e valorização. Afinal, o futebol é para todos. E o futuro não aceita menos do que respeito e paridade.