PL Brasil
·30 de maio de 2020
PL Brasil
·30 de maio de 2020
Pode parecer um absurdo pensar que o Manchester City, atual bicampeão da Premier League disputava, há pouco mais de 20 anos, a 3ª divisão do futebol inglês. Mas, sim, essa era a situação dos Citizens na temporada 1998/1999.
Um dos mais tradicionais clubes da Inglaterra (e que se tornaria um dos mais poderosos do mundo) precisou passar pela Division Two (a 3ª divisão passou a ser chamada de Division One com o início da era Premier League) no final dos anos 1990. E a saída de lá não foi nada tranquila.
Uma campanha inconstante não foi o suficiente para levar o City de volta à 2ª divisão diretamente. Seria necessário passar pelos playoffs. Os jogos eliminatórios foram muito difíceis. Especialmente a partida final, diante do Gillingham, em Wembley.
Naquele dia, lembrado por muitos torcedores como um dos mais importantes para a história do clube, foram necessários uma virada nos acréscimos e uma disputa de pênaltis para garantir a subida de divisão.
Mas antes de contar a história desse dia dramático, é preciso relembrar como o Manchester City havia se metido em um buraco tão profundo.
Os anos 1990 foram bastante complicados para o Manchester City. Enquanto seu rival Manchester United empilhava troféus, ele acumulava resultados decepcionantes e dívidas.
O gerenciamento do futebol, por parte de sua diretoria, era bastante questionado. Especialmente por conta das inúmeras trocas de técnicos e por contratações caras de jogadores que não davam o resultado esperado.
Na temporada 1995/1996, o clube terminaria a Premier League na zona de rebaixamento. Com apenas 38 pontos, em 38 rodadas disputadas, os Citizens acabaram na 18ª posição. À frente apenas de Bolton Wanderers e Queens Park Rangers.
A expectativa, de diretoria e torcida, era de que a passagem pela divisão seria rápida. Não foi o que aconteceu. Com 20 derrotas em seus 25 primeiros jogos da liga, era claro que os problemas eram mais profundos. Ter cinco treinadores diferentes durante a temporada também não ajudou. O City terminou em 14º lugar.
Disputar a 2ª divisão novamente em 1997/1998 já era terrível para o Manchester City. Mas tudo estaria muito pior ao final daquela temporada. Ao invés de disputar uma vaga na Premier League, a realidade em Maine Road foi a de luta pela permanência.
Na penúltima rodada a equipe recebeu o QPR, que era um adversário direto, precisando de uma vitória para evitar o rebaixamento. Um empate por 2 a 2, com direito a gol contra de Jamie Pollock (um dos momentos lembrados com mais tristeza pela torcida), seria suficiente para salvar o rival.
Vitória por 5 a 2 diante do Stoke City, na rodada final, não foi o bastante para evitar o pior. O Manchester City estava rebaixado para a 3ª divisão.
Eram necessárias mudanças drásticas para recolocar o clube no caminho da Premier League. Trocas foram feitas dentro da diretoria e decisões passaram a ser mais estratégicas do que imediatistas e populistas.
Uma dessas decisões foi a manutenção do técnico Joe Royle. Ele havia assumido a equipe na parte final da temporada anterior e falhado em evitar o rebaixamento.
Outra atitude fundamental foi a de enxugar o elenco e, consequentemente, a folha de pagamento. Muitos jogadores experientes, e caros, foram emprestados ou vendidos para outros clubes.
“O Manchester City estava uma bagunça. Eu realmente não sei o que aconteceria com o clube se nós não conseguíssemos subir de divisão imediatamente. Eu não estou convencido de que haveria um próximo ano”, contou Joe Royle em entrevista à revista Four Four Two, em 2019, relembrando a temporada do Manchester City na 3ª divisão.
A caminhada do City começou bem. Com quatro vitórias, dois empates e uma derrota em seus sete primeiros jogos, o time assumiu a liderança da tabela e parecia ter, em setembro, um caminho tranquilo pela frente.
No entanto, após esse bom começo, a equipe conseguiu apenas três vitórias até a rodada do Natal. Isso derrubou o City para a metade de baixo da tabela. A pressão da torcida e imprensa pela demissão de Royle era enorme.
A relação entre torcedores e comissão técnica era cada vez pior. Eram 90 minutos de xingamentos direcionados ao banco de reservas toda rodada. Não ajudava à moral dos atletas os jogos disputados em gramados horrorosos e estádios acanhados.
Mais uma vez a diretoria do clube não tomou a decisão mais populista. Decidiu manter seu treinador, mesmo com o risco de falência que uma permanência na 3ª divisão poderia causar.
A aposta da diretoria acabou se pagando. A partir do Natal, o City emendou 23 partidas com apenas duas derrotas. Mas os resultados ruins na primeira metade do campeonato, aliado aos desempenhos acima da média de Fulham e Walsall, significaram que os Citizens não conseguiriam a vaga na Segundona diretamente. Seria necessário disputar os playoffs.
Já nas semifinais ficou claro que o City teria pela frente não apenas um desafio técnico, mas também psicológico. Havia muita tensão para os lados de Maine Road. Era óbvio que toda responsabilidade pela última vaga estava em Manchester.
Na primeira eliminatória, diante do Wigan, o City conseguiu se classificar. Com empate de 1 a 1, na ida, e vitória por 1 a 0, na volta, a equipe garantiu lugar no jogo final, em Wembley.
A partida da classificação causou bastante polêmica. O Wigan reclamou de um pênalti não marcado a seu favor. O gol do City foi marcado com o peito, mas, aparentemente, com uma boa ajuda da mão do atacante Shaun Goater.
Foi o suficiente para fazer a torcida invadir o campo de Maine Road e fazer as pazes com seu time. Faltava agora passar pelo pequeno Gillingham.
Wembley estava abarrotado de torcedores, em sua grande maioria, do Manchester City. Sem dúvidas, o favoritismo, e a pressão, estavam do lado dos Citizens.
Alguns dias antes, o Manchester United havia conquistado a Champions League, diante do Bayern de Munique, em uma das finais mais eletrizantes da história do futebol. Mal sabiam os torcedores do City que eles estavam prestes a acompanhar um dos maiores dramas na história dos playoffs ingleses.
A partida transcorreu com o City tomando o controle, ficando mais com a bola e tentando mais jogadas ofensivas. Algumas chances de gol foram criadas, mas nada muito agudo. O Gillingham, do técnico Tony Pulis, jogou mais na defesa, esperando por contra-ataques.
A verdade é que o jogo foi fraco. O que não é de se surpreender, tratando-se de 3ª divisão. Mas com o passar do tempo o ímpeto do Manchester City foi diminuindo e a tensão dos torcedores foi aumentando.
Aos 36 minutos do segundo tempo, o Gillingham encaixou um bom contra-ataque e Carl Asaba recebeu a bola na entrada da área para marcar 1 a 0. O City teria pouco tempo para buscar um empate. Mas a situação ficou ainda pior quando, aos 41 minutos, Rob Taylor aumentou a vantagem do Gills para 2 a 0.
Tudo parecia perdido. O City ficaria mais uma temporada na Division Two e as dúvidas com relação ao futuro do clube se multiplicariam. As câmeras da transmissão da TV já focavam torcedores chorando e vários dirigindo-se às saídas do estádio.
Restava ao time de Manchester arriscar tudo. Enquanto isso, Tony Pulis tirava seus atacantes e recheava o Gillingham de defensores.
Aos 45 minutos, o City conseguiu uma rara boa troca de passes no ataque. A bola sobrou para Kevin Horlock finalizar da entrada da área e marcar o gol. Então subiu a placa de cinco minutos de acréscimos. Ainda havia esperança.
Faltando apenas um minuto a bola foi lançada para o ataque. Após um desvio de cabeça ela sobra para Shaun Goater, na entrada da área. Ele é desarmado na hora H, mas a sobra fica com Paul Dickov. Ele enche o pé e acerta o ângulo esquerdo do goleiro. Golaço.
A torcida do City explode de emoção. Aqueles que estavam deixando o estádio, minutos antes, voltaram correndo para ver o que estava acontecendo.
Parecia uma questão de tempo a virada do City durante a prorrogação. Mas com o time cansado, e com o Gillingham sem jogadores ofensivos, a meia-hora extra passou sem grandes emoções. A última vaga na Division One seria definida nos pênaltis.
Toda a tensão daquele momento logo foi dissipada. Graças ao goleiro Nicky Weaver, que defendeu duas cobranças. O Gills ainda chutou um pênalti para fora. Pronto. Estava encerrado o calvário do Manchester City na 3ª divisão.
A torcida comemorou o acesso como um título de grande importância. O próprio clube considera aquele um momento fundamental para a continuidade do Manchester City e no que ele se tornaria.
Na temporada seguinte, o City conseguiu o acesso direto à Premier League. Voltaria à 2ª divisão logo em seguida. Mas dessa vez não houve tanto drama.
Em 2002, o clube foi campeão e voltou à elite do futebol inglês. A partir daí se estabilizou, se resolveu financeiramente, cresceu e se transformou no gigante que é hoje.
Em 1999, a torcida do Manchester City foi à loucura com um gol de Paul Dickov no último momento dos acréscimos, o que possibilitou a saída do time da 3ª divisão.
Tal gol foi fundamental para que essa torcida pudesse, em 2012, ir novamente à loucura por conta de um gol nos últimos segundos de um jogo. Mas dessa vez seria para comemorar o título da Premier League.
Ao vivo
Ao vivo