Trivela
·19 de maio de 2022
Trivela
·19 de maio de 2022
A conquista da Copa da Uefa de 1982 pelo IFK Gotemburgo, que completa 40 anos nesta quinta-feira, já seria por si só um enorme feito, tendo em vista que era inédita para o futebol sueco. Mas ao longo daquela trajetória vitoriosa e brilhante, os Blåvitt fizeram ainda mais: driblaram graves problemas financeiros, derrubaram equipes de tradição nos torneios europeus (com destaque para a vitória acachapante sobre um fortíssimo Hamburgo na final), levaram o caneco de maneira invicta e, por fim, revelaram um punhado de jogadores de nível internacional que logo se espalhariam pelas grandes ligas do continente, assim como seu treinador Sven-Göran Eriksson.
Fundado em 1904, o IFK (sigla para Idrottsföreningen Kamraterna) rapidamente se estabeleceu como uma das forças do futebol de Gotemburgo e da Suécia como um todo, levantando títulos nacionais em praticamente todas as décadas a partir daí, ainda que por vezes essas conquistas tenham sido um tanto espaçadas: houve jejuns de mais de uma década entre 1918 e 1935, entre 1942 e 1958 e deste último ano até 1969. O time ainda foi rebaixado em 1938 e em 1950, mas voltou logo no ano seguinte.
Porém, após a conquista – um tanto surpreendente – do sétimo título sueco em 1969, o clube mergulhou no pior período de sua história: foi novamente rebaixado no ano seguinte ao título e, ao contrário das outras experiências, não conseguiu retornar imediatamente. Pelo contrário: essa nova passagem duraria mais de meia década. O ponto mais baixo viria em 1974, quando o clube terminou apenas em quinto no grupo sulista da segunda divisão (formado por 14 clubes e no qual só o campeão era promovido).
NO COMANDO, UM JOVEM PROMISSOR
O acesso finalmente viria em 1976. O clube então obteve um sexto lugar na temporada de retorno à elite e subiu para o terceiro na campanha posterior. Foi quando tomou a decisão de substituir o treinador Hasse Karlsson, 46 anos e em sua segunda passagem pelo clube, por um jovem ainda prestes a completar 30 anos e que encerrara a carreira de jogador em 1973, tendo sua primeira experiência como técnico principal há apenas dois anos no Degerfors, então na terceira divisão. Seu nome era Sven-Göran Eriksson.
O novo comandante assumiu o cargo em janeiro de 1979, preparando o time para a temporada (curiosamente, a Suécia havia adotado desde 1959 o calendário anual para a liga, ao passo que a copa seguia o esquema padrão europeu, começando num ano e terminando no outro). Porém, era até então um ilustre desconhecido até dos próprios comandados, sem grande projeção como jogador ou treinador. E, para dificultar sua missão, propunha um modelo de jogo que acabara de ser oficialmente repudiado no país.
Eriksson era herdeiro do estilo britânico que havia sido muito difundido no país ao longo dos anos 1970 pelos técnicos Bob Houghton e Roy Hodgson, tipificado pelo desenho tático no 4-4-2 com duas linhas de quatro, marcação por zona, pressão alta, bola longa e muita intensidade. Era o que aprendera mais diretamente como assistente de Tord Grip, ex-zagueiro da seleção que dirigia o Degerfors até ser chamado para auxiliar Georg Ericsson na equipe nacional que se preparava para disputar a Copa do Mundo de 1978.
Sven-Göran Eriksson
O fracasso da Suécia naquele Mundial levou os dirigentes da federação a anunciarem que o estilo inglês não seria mais ensinado no país, nem adotado na seleção. Mas Eriksson logo ganhou a confiança do elenco do IFK e os resultados começaram a aparecer. O time venceu – pela primeira vez em sua história – a Copa da Suécia em 1978/79 goleando o Åtvidabergs por 6 a 1 na final. E ficou em segundo na liga em 1979 (um ponto atrás do Halmstads) e terceiro em 1980, ganhando vaga na Copa da Uefa de 1981/82.
Para a temporada 1981, o clube buscou três reforços para acrescentar a um elenco que mesclava principalmente jogadores da base a atletas saídos de equipes pequenas – muitos deles já no clube desde quando o IFK disputava a segunda divisão. Dois dos novos nomes eram da seleção: o goleiro Thomas Wernerson, do Åtvidabergs, e o lateral-esquerdo Stig Fredriksson, do Västerås SK (então na segunda divisão). O terceiro era o atacante Håkan Sandberg, do Örebro, que também vinha jogando a categoria de acesso.
E enquanto a segunda metade da temporada nacional de 1981 se desenrolava, o IFK tentaria de novo causar alguma boa impressão no futebol continental. O clube tinha em seu currículo quatro participações na Copa dos Campeões sem nunca ter ido além da segunda fase. Disputara uma vez a Recopa em 1979/80, sendo eliminado nas quartas de final diante do Arsenal após superar os pouco expressivos Waterford (Irlanda) e Panionios (Grécia). E na temporada seguinte, caíra na fase inicial da Copa da Uefa para o Twente.
O futebol sueco de modo geral havia colhido resultados bem modestos nos torneios europeus até ali, chegando no máximo às quartas de final de alguma copa, de tempos em tempos. A única campanha que chamara a atenção – como exceção que confirmava a regra até ali – havia sido a do Malmö na Copa dos Campeões de 1978/79, quando deixou pelo caminho Monaco, Dynamo Kiev, Wisla Cracóvia e Austria Viena antes de perder a final para o Nottingham Forest de Brian Clough por um magro 1 a 0 em Munique.
O COMEÇO DA CAMINHADA
Em sua estreia na Copa da Uefa de 1981/82, no dia 16 de setembro de 1981, o IFK não teria um adversário que exigisse cuidados: tratava-se do Haka, da vizinha Finlândia. No primeiro jogo, em Valkeakoski, o time até saiu atrás, mas logo virou e venceu por 3 a 2, confirmando a classificação com uma tranquila goleada de 4 a 0 na volta, duas semanas depois, num Nya Ullevi semideserto, com pouco mais de três mil torcedores num estádio com capacidade superior a 50 mil. Já estava superada a campanha anterior no torneio.
O segundo adversário seria o Sturm Graz, que não estava entre as potências do futebol austríaco da época nem tinha nomes de destaque na seleção nacional (ou de outros países). Mas o time de Otto Barić exigiria bem mais dos suecos. Na Áustria, o Sturm abriu dois gols de frente e o IFK suou para arrancar o 2 a 2. Já na volta, um novo empate pelo mesmo placar (que levaria à prorrogação) persistia até o último minuto, quando um pênalti convertido por Fredriksson decretou o 3 a 2 e deu a vaga ao time de Gotemburgo.
As oitavas de final seriam a última fase antes da virada do ano e da pausa de inverno no futebol sueco. Nela, os Blåvitt (alviazuis) teriam um oponente que demandava ainda mais cautela. Era o Dínamo Bucareste, que vinha de eliminar a poderosa Internazionale na fase anterior e tinha em seu elenco veteranos como o defensor Cornel Dinu (que disputara a Copa de 1970) e o goleador Dudu Georgescu, Chuteira de Ouro da Europa em 1975 e 1977, além de outros nomes correntes e futuros da seleção romena.
IFK Gotemburgo – time posado
Foi nessa etapa que se cristalizou o time-base dos suecos na conquista, começando pelo goleiro Thomas Wernerson, um dos últimos do elenco a aportar no clube e que, com a aposentadoria da seleção do veterano Ronnie Hellström, era um dos candidatos a novo camisa 1 da Suécia, tendo o ascendente Thomas Ravelli, do Östers, como principal rival. Wernerson havia sido contratado na tentativa de preencher a lacuna da posição no clube, pela qual vários nomes haviam passado nos anos anteriores sem nenhum se firmar.
A linha de quatro jogadores da defesa tinha nas laterais o discreto e eficiente Ruben Svensson – trazido do pequeno BK Derby em 1977 – pela direita e o ofensivo Stig Fredriksson – cobrador oficial de pênaltis do time – pela esquerda. Embora cada um tenha tido trajetória bem diferente na seleção (Svensson foi um dos dois únicos titulares a nunca terem defendido a Suécia, enquanto Fredriksson fez 58 jogos pela equipe nacional em oito anos), ambos acabaram incluídos no time de todos os tempos do IFK, eleito em 2004.
Já no miolo de zaga, a dupla era formada por Conny Karlsson (vindo de seu clube local, o amador IFK Oskarshamn, em 1975) e pelo promissor Glenn Hysén, de apenas 22 anos e já titular da seleção. Zagueiro sólido, forte fisicamente, bom no desarme e no jogo aéreo e um líder nato em campo mesmo com a pouca idade, ele seria um dos jogadores de carreira mais destacada a surgir naquela equipe. Mais tarde capitanearia a Suécia na Copa de 1990 e atuaria no exterior, inclusive na Serie A italiana em sua era de ouro.
No meio-campo, o jogador de maior destaque seria outro a atuar no Calcio – deixando marca até maior por lá: era o versátil Glenn-Peter Strömberg, jogador incansável capaz de marcar e armar com a mesma eficiência, combinando garra e talento e reconhecido pelos longos cabelos loiros. Seu colega na faixa central do setor era Jerry Carlsson, irmão gêmeo do zagueiro Conny Karlsson – apesar das diferentes iniciais nos sobrenomes, cuja razão desconhecemos. Embora eficiente, seria o outro a nunca ter atuado pela Suécia.
Os dois jogadores de lado no setor também eram irmãos (mas não gêmeos): Tord Holmgren, o mais velho, atuava pelo lado direito. E Tommy Holmgren, pouco mais de um ano mais jovem, era quem ocupava o esquerdo. Tord era um jogador mais combativo e vigoroso, chamado de “Turbo-Tord” pelos torcedores, enquanto Tommy era mais habilidoso, ofensivo – chegava com certa frequência a ser considerado um terceiro atacante pelos registros suecos – e com gosto pelo drible e pelas jogadas de linha de fundo.
Já na frente, outra dupla se destacava. O novato Dan Corneliusson, 20 anos de idade completos logo no início da campanha, atuava ao lado do goleador Torbjörn Nilsson, 27 anos, único nome do elenco a ter disputado a Copa do Mundo de 1978. Ambos eram altos (Corneliusson tinha 1,82 metro e Nilsson, 1,90), mas nem por isso careciam de técnica ou agilidade: além dos gols, eram os responsáveis por pressionar a saída de bola adversária, tarefa que exigia desenvoltura e fôlego no esquema de Sven-Göran Eriksson.
Stig Fredrikson cobra pênalti final
Revelado no clube, Corneliusson teve rápida ascensão naquele segundo semestre de 1981, após ter superado uma lesão no joelho no ano anterior. E acabaria por destronar o contratado Håkan Sandberg (que se tornaria uma espécie de 12º jogador do time naquela campanha). Nilsson, por sua vez, chegara ao clube em 1975, saindo apenas para passagem rápida pelo PSV em 1976/77. Goleador da Allsvenskan – o campeonato sueco – na temporada 1981, já atuava pela seleção com frequência desde agosto de 1976.
Seria exatamente essa escalação inicial nos dois jogos contra os romenos do Dínamo Bucareste. E diante de um adversário experiente e competitivo, a equipe de Eriksson encontrou uma arma letal: a bola aérea. Em dois cruzamentos vindos da esquerda, o IFK marcou duas vezes no primeiro tempo: aos 27 minutos, Tommy Holmgren se aproveitou da indecisão da zaga para abrir o placar e, aos 33, Torbjörn Nilsson testou para as redes uma falta lateral levantada na área quase da linha de fundo por Strömberg.
No segundo tempo, o IFK ampliou em jogada ensaiada numa cobrança de lateral que sobrou para o chute forte de Nilsson de perna direita aos oito minutos. O Dínamo reduziria o prejuízo em um lance nascido da reposição longa de seu goleiro Dumitru Moraru que o meia Gheorghe Mulțescu capitalizou após uma bola perdida pela defesa sueca no lado esquerdo. O placar de 3 a 1 soaria um tanto perigoso para o jogo de volta em Bucareste, mas os Blåvitt confiavam em seu estilo de jogo e prometiam surpreender.
E foi o que aconteceu na segunda partida, em 9 de dezembro. Aos 23 minutos, Torbjörn Nilsson recebeu passe no lado esquerdo do ataque, arrancou protegendo a bola da marcação e chutou cruzado na saída de Moraru. Depois foi só garantir o resultado de 1 a 0 que levava o IFK às quartas de final de uma competição europeia pela segunda vez em sua história. Porém, o caminho até o próximo duelo seria atravessado em meio a uma grave crise financeira, que colocou em risco o prosseguimento da campanha.
PASSANDO O CHAPÉU
O clube havia investido alto nos três reforços contratados no início daquele ano. No entanto, as receitas vinham sendo insuficientes: seu maior público no Nya Ullevi naqueles três jogos iniciais em casa pela Copa da Uefa sequer alcançara a marca de 8 mil torcedores – menos de um sexto da capacidade total do estádio. E o fim da temporada nacional reservava a perspectiva de um longo período de vários meses sem jogos enquanto as despesas com folha salarial e outros gastos teriam de ser saldadas de qualquer forma.
IFK Gotemburgo x Valencia
A crise financeira se transformou em política logo no início de 1982: vários membros do conselho do clube renunciaram, e o próprio presidente do IFK, Bertil Westblad, faria o mesmo em seguida. Sem recursos, com milhões em dívidas e à beira da falência, os Blåvitt tiveram que procurar ajuda até para viajar à Espanha, onde enfrentariam o Valencia, próximo adversário pela Copa da Uefa. O vice-presidente e diretor de futebol, Anders Bernmar, precisou pedir um empréstimo, e uma vaquinha entre torcedores foi organizada.
O IFK ainda conseguiu arranjar alguns amistosos na Inglaterra antes de chegar ao seu destino, o que foi importante para recuperar o ritmo de jogo perdido pela longa pausa de inverno. Uma vez na costa espanhola, os jogadores suecos aproveitaram os dias anteriores à partida para pegarem uma praia. A imprensa local os tratava como turistas, um adversário sem grandes ambições, ideal para ajudar a reerguer um Valencia vindo de uma acachapante derrota de 3 a 0 para um Las Palmas que rondava as últimas posições.
O técnico interino Manuel Mestre – que substituíra o veterano Pasieguito, demitido pouco depois da virada do ano – tinha às mãos um bom elenco, incluindo vários remanescentes da conquista da Recopa europeia em 1980. Os destaques eram o zagueiro Miguel Tendillo, o armador Enrique Saura (ambos da seleção espanhola), o talentoso meia-atacante dinamarquês Frank Arnesen (ex-Ajax) e o atacante austríaco Kurt Welzl (vice-campeão da edição anterior da Copa da Uefa com o AZ ’67). Os Ches eram favoritos destacados.
E o jogo no Mestalla (na época chamado de Luis Casanova) começou intenso, com quatro gols antes dos 20 minutos. Arnesen, cobrando falta de muito longe, abriu o placar para os locais aos cinco minutos. Os suecos empataram aos 12, num escanteio em que o goleiro José Sempere saiu mal e Ruben Svensson empurrou a bola para dentro, quase em cima da linha. E a virada veio logo no reinício após o gol de empate, com Torbjörn Nilsson desarmando o zagueiro Ricardo Arias e arrancando para finalizar com um leve toque.
Mas aos 18, o Valencia tornaria a deixar o placar igualado num pênalti convertido por Arnesen. O ritmo do jogo não cairia depois disso: foram muitas as chances de parte a parte ainda no primeiro tempo. No segundo, os donos da casa estiveram mais perto de marcar, mas foram os suecos que celebraram o empate em 2 a 2 ao fim dos 90 minutos. Um ótimo resultado para levar na bagagem até a partida de volta a ser disputada dali a duas semanas, em 17 de março de 1982, e – assim esperavam – num Nya Ullevi enfim lotado.
A torcida dos Blåvitt respondeu em grande estilo: 50.108 espectadores – recorde de público no país até hoje para partidas de copas europeias – compareceram ao Nya Ullevi para empurrar o IFK, que poderia até empatar em 0 a 0 ou 1 a 1 para avançar pelos gols qualificados, mas tratou de jogar para resolver a parada o mais rápido possível. E foi o que aconteceu: depois de acertar o travessão logo aos três minutos, os suecos abrem o placar aos cinco, num lindo gol de cobertura de Tommy Holmgren após passe de Nilsson.
Controlando o jogo diante de um Valencia desorganizado e sem “punch” ofensivo, a equipe de Sven-Göran Eriksson ampliaria o placar na segunda etapa. Aos 11 minutos, depois de assistirem a um pênalti claríssimo de Manuel Botubot em Torbjörn Nilsson ser ignorado pelo árbitro italiano Luigi Agnolin, os suecos tiveram outro em Corneliusson – esse marcado – quase no lance seguinte. Fredriksson converteu e fechou a contagem em 2 a 0, sob a aclamação do público que lotou o estádio Nya Ullevi. Semifinais à vista.
O adversário naquela fase seria o Kaiserslautern, que, por ironia, contava com um nome histórico do futebol sueco sob as traves: o veterano Ronnie Hellström, titular da seleção nos Mundiais de 1970, 1974 e 1978. Mas o ponto alto daquele time dos Diabos Vermelhos no torneio era o ataque, especialmente em casa, no estádio de Betzenberg. Após superar o Akademik Sofia na primeira fase com duas vitórias magras (1 a 0 e 2 a 1), a equipe de Karl-Heinz Feldkamp avançou com três goleadas nas etapas seguintes.
SEM TEMER O ALÇAPÃO
Derrotado pelo Spartak Moscou por 2 a 1 na capital soviética, o Kaiserslautern aplicou um 4 a 0 em casa. Contra o Lokeren, nas oitavas de final, o roteiro foi parecido: derrota por 1 a 0 na Bélgica e vitória categórica por 4 a 1 em Betzenberg. Já nas quartas, o adversário era uma camisa bem mais pesada: o Real Madrid. E o placar do Santiago Bernabéu, mais difícil de reverter: 3 a 1 para os merengues. Mas os Diabos Vermelhos não se intimidaram e amassaram por 5 a 0 na volta, num resultado que assombrou a Europa.
Além do já citado Ronnie Hellström, o craque daquele time era o polivalente Hans-Peter Briegel, um dos principais nomes também da seleção da Alemanha Ocidental. Outros dois atletas com passagem pela Nationalelf também integravam o elenco: o meia Hannes Bongartz, ex-Schalke, e o atacante Rainer Geye, ex-Fortuna Düsseldorf. Mas entre os novatos, um jogador se mostrava de muito futuro: o lateral-esquerdo Andreas Brehme. O desafio para o IFK era o de não ser mais uma equipe engolida em Betzenberg.
Corneliusson celebra contra o Kaiserslautern, enquanto Hellström lamenta
De saída, era o que parecia acontecer, com Erhard Hofeditz abrindo o placar para os donos da casa logo aos nove minutos. Mas o IFK foi se ambientando e crescendo no jogo. Quando o empate veio, ainda no primeiro tempo, com Corneliusson aos 34 minutos, os suecos já estavam em pé de igualdade. E foram melhores na etapa final, com Hellström tendo trabalho. “Ninguém poderia reclamar se tivéssemos vencido por 2 a 1. Fomos nós que tivemos as chances mais perigosas da partida”, comentou Sven-Göran Eriksson.
A declaração do técnico era endossada por um exultante Glenn Hysén após o jogo: “Faltam-me palavras. Fomos nós que estivemos mais perto da vitória. Que partida maravilhosa fizemos!”. O zagueiro, no entanto, levara um amarelo por falta em Hofeditz no começo do segundo tempo e estaria suspenso da partida de volta. Ruben Svensson assumiria seu lugar com Glenn Schiller entrando na lateral-direita. Tord Holmgren também ficaria de fora pela única vez na campanha, substituído por Martin Holmberg.
Os suecos tinham a vantagem do empate sem gols, mas trataram de abrir o placar pouco antes do fim do primeiro tempo, quando Tommy Holmgren fez grande jogada individual e finalizou de pé esquerdo. Mas o Kaiserslautern igualou aos 13 minutos da etapa final com Rainer Geye e levou a definição à prorrogação. No tempo extra, perto do intervalo, Torbjörn Nilsson recebeu ótimo passe no meio da defesa alemã, entrou na área e foi derrubado. Fredriksson converteu a cobrança e colocou os suecos na inédita decisão.
Do outro lado estaria mais um alemão-ocidental, o Hamburgo, que viveria grande fase no futebol de seu país e da Europa entre 1976 e 1987. Naquele período, conquistaria três vezes a Bundesliga (sendo vice em outras cinco ocasiões) e duas vezes a copa nacional, levantando ainda a Recopa europeia em 1977 e alcançando por duas vezes a decisão da Copa dos Campeões, perdendo em 1980 para o Nottingham Forest e levando a taça em 1983 diante da Juventus. Era uma equipe em busca de protagonismo no continente.
Naquela temporada 1981/82, aliás, os hanseáticos venceriam a Bundesliga superando o Colônia e o Bayern de Munique na reta final. Na equipe dirigida pelo experiente e vitorioso austríaco Ernst Happel, destacavam-se nomes certos na Nationalelf como o lateral-direito Manfred Kaltz, o meia Felix Magath e o centroavante Horst Hrubesch. Mas praticamente todos os outros titulares já haviam defendido a seleção alemã-ocidental – assim como o atacante dinamarquês Lars Bastrup vinha fazendo na de seu país.
Quem também havia integrado o elenco do Hamburgo naquela temporada era o lendário Franz Beckenbauer, já em fim de carreira. Mas ele jogaria pouco, participando apenas de cinco jogos da campanha europeia (os dois contra o Bordeaux na segunda fase, os dois contra o Aberdeen nas oitavas de final e o jogo de ida diante do Neuchâtel Xamax pelas quartas de final), decidindo-se por pendurar as chuteiras em fevereiro de 1982 – não atuando, portanto, em nenhuma das duas partidas decisivas da Copa da Uefa.
Torbjörn Nilsson contra o Kaiserslautern
Felizmente para Sven-Göran Eriksson, o IFK voltaria a contar com todos os seus titulares para os dois jogos das finais. O primeiro deles, no dia 5 de maio no Nya Ullevi, foi disputado sob intensa chuva que deixou o gramado em péssimas condições. Para piorar, os suecos ficaram sem dois de seus principais jogadores, Torbjörn Nilsson e Tommy Holmgren, logo aos dez minutos por lesão. O primeiro teve de sair ainda na etapa inicial, enquanto o segundo aguentou fazendo número em campo até ser substituído no intervalo.
Mesmo assim, o IFK dominou as ações ofensivas, colocando o goleiro adversário Uli Stein para praticar defesas de puro reflexo – como num chute à queima-roupa de Corneliusson na pequena área no segundo tempo – e algumas saídas arrojadas da meta. O placar, porém, seguia em branco até a três minutos do fim, quando uma bola rebatida pelo ataque sueco foi escorada de novo à frente e encontrou Tord Holmgren entrando na área, com a defesa do Hamburgo saindo. O meia tocou por baixo de Stein e fez 1 a 0.
O placar era merecido pelo maior volume de jogo e vontade de vencer dos suecos. Mas, em tese, não preocupava tanto assim o Hamburgo: exceto na primeira fase, quando foi surpreendido pelo Utrecht em casa por 1 a 0 e revidou goleando na Holanda por 6 a 3, a equipe havia trilhado seu caminho à final sempre triunfando no Volksparkstadion. Contra Bordeaux, Aberdeen e Radnički Niš, a derrota fora na ida foi revertida com vitória em casa. Contra o Neuchâtel, venceu em casa na ida e segurou o empate na volta.
UM TÍTULO COM BANHO DE BOLA
Duas semanas depois viria a partida de volta, com o fortim dos hanseáticos recebendo um público superior aos 57 mil torcedores. O IFK teria Torbjörn Nilsson e Tommy Holmgren recuperados e de novo entre os titulares, mas desta vez ficaria sem Glenn Hysén, figura fundamental da defesa, logo aos 19 minutos de jogo também por lesão. De novo Schiller entraria em seu lugar, com Ruben Svensson passando ao miolo de zaga, onde sua tarefa seria tomar conta do gigante Hrubesch, referência de área do Hamburgo.
Os suecos demonstravam muita solidez defensiva, fechando a porta aos alemães, que quase sempre acabavam recorrendo a cruzamentos para a área ou lançamentos longos – ambos sem muito efeito, já que a retaguarda do IFK era alta e se posicionava muito bem. Adepto do chamado futebol-força, o Hamburgo demonstrava pouca imaginação ofensiva, e ainda ficava exposto com frequência aos bem tramados contragolpes do time de Sven-Göran Eriksson. Num deles, viria o gol de abertura do placar aos 25 minutos.
O capitão Conny Karlsson vigia Bastrup – Foto revista Onze
Era uma jogada que já havia sido tentada pelo menos outras duas vezes, menos de dez minutos antes. A bola era recebida na meia direita e logo passaria à ponta esquerda. De lá, era devolvida ao lado direito do ataque numa inversão, numa estratégia de balançar o posicionamento do setor defensivo alemão. Torbjörn Nilsson recolheu a bola no meio-campo, lançou a Tommy Holmgren, que cruzou para Corneliusson, passando pelas costas de Holger Hieronymus. O atacante deixou a bola quicar e encheu o pé direito. 1 a 0.
Sempre mais incisivo nas chances que criava, o IFK poderia ter ido para o intervalo com vantagem até maior: aos 31, num escanteio, o lateral Bernd Wehmeyer salvou uma finalização de Torbjörn Nilsson em cima da linha. Ao fim da primeira etapa, já se ouvia as primeiras vaias do público local ao time da casa, que precisaria de três gols em pouco mais de 45 minutos para ficar com a taça. No entanto, o que se viu no segundo tempo foi o adversário ainda mais desenvolto em campo e consciente do que fazer com a bola.
O IFK superava um pálido Hamburgo em todos os aspectos: físico, tático e técnico. Permitia-se inclusive trocar passes no campo do adversário. E logo esse domínio seria revertido num placar mais dilatado. Aos 17 minutos, Jerry Carlsson interceptou um passe no meio-campo e a bola logo chegou a Torbjörn Nilsson, que arrancou quase da linha divisória até a área, sem que a defesa do Hamburgo pudesse alcança-lo, e bateu cruzado no contrapé de Uli Stein, deixando os suecos muito perto da conquista inédita.
Hysén controla o gigante Hrubesch
Três minutos depois, vem a pá de cal: Torbjörn Nilsson é lançado na ponta direita, desce até à linha de fundo e, ao entrar na área, é calçado por Wehmeyer. O árbitro não hesita em marcar o pênalti, enquanto alguns fotógrafos passam correndo pelo campo para chegar até atrás do gol, a tempo de não perder o desfecho do lance. Stig Fredriksson, o cobrador oficial, não erra: de pé direito, alto, no meio do gol, sem chances para Uli Stein. É o terceiro gol do IFK, tirando qualquer dúvida sobre o novo dono da taça.
E caberia até mais: a pressão dos suecos, que encurralava o Hamburgo em seu próprio campo e os permitia retomar bolas em posições altas do campo (muitos anos antes de se falar em “pressão pós-perda”), ainda originou chances claras de gol. Aos 29, Strömberg tabelou com Sandberg (que entrara no lugar de Corneliusson) e surgiu cara a cara com Stein, que espalmou para impedir a goleada. E aos 41, num contra-ataque, Sandberg recebeu livre na intermediária e tentou encobrir o goleiro, mas a finalização saiu fraca.
Ao apito final, veio a aclamação: os azarões deram um banho de bola, subjugando inteiramente os atônitos e passivos donos da casa, que raramente os ameaçaram, numa vitória merecida. Com Ruben Svensson dominando o gigante Hrubesch (que não viu a cor da bola) na defesa, um sólido bloqueio a partir do meio-campo e, na frente, Corneliusson e Torbjörn Nilsson levando pânico à retaguarda adversária com rapidez e inteligência nos deslocamentos, os Blåvitt se tornavam a nova sensação do futebol europeu.
Quatro dias após a conquista histórica, o IFK venceria também a Copa da Suécia da temporada 1981/82. Após superarem com goleadas o pequeno IF Norrby nas quartas de final e o Halmstads nas semifinais, os Blåvitt levantaram o título derrotando o Östers por 3 a 2 numa partida bastante movimentada no estádio Rasunda, em Solna. Seria a última conquista de Sven-Göran Eriksson no comando do time: no meio do ano o técnico seria contratado pelo Benfica, iniciando em Portugal uma carreira internacional de sucesso.
APÓS O DESMONTE, OUTROS FEITOS
Logo seria a vez de Torbjörn Nilsson também seguir para uma liga mais forte, abrindo o caminho para o êxodo no elenco. Vendido ao Kaiserslautern, oponente batido nas semifinais da trajetória europeia do IFK, ele deixaria o clube em meio à disputa do Campeonato Sueco, que naquele ano teria seu regulamento alterado pela federação, criando um formato confuso, com a criação de uma fase de playoffs entre os oito melhores colocados após a etapa regular de pontos corridos em turno e returno com 12 clubes.
O IFK, no entanto, não deu margem a dúvidas: venceu tanto a fase regular da liga quanto a etapa de mata-mata em ida e volta (que passou a apontar o campeão sueco da temporada). No formato, o time bateu o Halmstads nas quartas, atropelou o Malmö nas semifinais por 8 a 1 no agregado e levou o título numa reviravolta diante de um surpreendente Hammarby: derrotado em pleno Nya Ullevi por 2 a 1, arrancou um 3 a 1 no campo adversário em Estocolmo e fez a festa, já sob o comando do ex-auxiliar Gunder Bengtsson.
Com tanto sucesso e tão pouco recurso para manter seus maiores astros, era previsível que o elenco dos Blåvitt se desmantelasse rapidamente. Em 1983, outros quatro jogadores migrariam para outros países: Corneliusson seguiria para o Stuttgart (onde conquistaria a Bundesliga), Hysén iria ao PSV, Strömberg se reuniria com Eriksson no Benfica e o zagueiro Conny Karlsson cruzaria o Atlântico para atuar pelo Toronto Blizzard nos últimos tempos da NASL. Já em 1984, seria a vez de Sandberg ir jogar no AEK Atenas.
Mais adiante, três deles teriam passagens importantes pelo futebol italiano: Hysén, que não se ambientara ao PSV, chegou a retornar ao IFK (e, no processo, participou da segunda conquista da Copa da Uefa pelos Blåvitt, em 1987) antes de uma nova experiência no exterior, na Fiorentina para onde o velho conhecido Sven-Göran Eriksson se transferira após comandar Benfica e Roma. Depois de dois anos na Itália, o zagueiro chegaria à Inglaterra, para defender o Liverpool por três temporadas, conquistando a liga em 1990.
Strömberg, por sua vez, também migrou para o Calcio após um ano e meio no Benfica – período no qual levantou uma liga e uma Taça de Portugal. Na Itália, fez história na Atalanta durante oito temporadas, somando expressivas 219 partidas de liga com os nerazzurri entre 1984 e 1992. Por fim, outro que jogou no futebol italiano em sua “era de ouro” foi Corneliusson, que ocupou uma das vagas de estrangeiro no Como por cinco temporadas, marcando 12 gols em 118 jogos, antes de seguir para o Wettingen, da Suíça.
Sven-Göran Eriksson, o treinador campeão, também teria carreira internacional de respeito, não só em clubes, mas também em seleções. Além das duas passagens pelo Benfica (nas quais levou três títulos da liga, um da taça e chegou às finais das Copas dos Campeões e da Uefa), trabalhou na Serie A italiana em sua era de ouro, dirigindo Roma (ganhou uma Copa da Itália), Fiorentina, Sampdoria (outra Copa da Itália) e Lazio, com a qual fez uma raríssima dobradinha nacional, além de vencer a Recopa europeia.
Em janeiro de 2001 migrou para a Inglaterra, onde comandaria a seleção por cinco anos e meio, dirigindo os Three Lions em duas Copas do Mundo (2002 e 2006) e uma Eurocopa (2004), em todas elas alcançando as quartas de final. No país, passaria ainda por Manchester City e Leicester. Ainda dirigiria, sempre em passagens rápidas, as seleções do México, da Costa do Marfim e das Filipinas (na Copa da Ásia de 2019) e também trabalharia por quatro anos no futebol chinês, no comando de três clubes diferentes.
Com o sucessor de Eriksson no comando, seu antigo auxiliar Gunder Bengtsson, o IFK até que não faria feio. Pelo contrário: quatro anos depois os Blåvitt chegariam muito perto da decisão da Copa dos Campeões. A equipe eliminaria o Trakia Plovdiv, o Fenerbahçe e o Aberdeen antes de pegar o Barcelona nas semifinais. Um sensacional 3 a 0 para os suecos no jogo de ida com dois gols de Torbjörn Nilsson e um de Tommy Holmgren significava estar com um pé em Sevilha, local da final do principal torneio europeu.
O time saúda a torcida antes do primeiro jogo da final
Só que esse momento nunca chegaria: no Camp Nou, o Barcelona devolveria o placar com três gols de “Pichi” Alonso e venceria nos pênaltis. O IFK, no entanto, mal teria tempo para lamentar: na temporada seguinte levantaria pela segunda vez a Copa da Uefa, após superar Sigma Olomouc, Stahl Brandenburg, Gent, Internazionale, Tirol Innsbruck e o Dundee United numa surpreendente e apertada final. Gunder Bengtsson deixaria o clube após esta nova conquista europeia, seguindo para o Panathinaikos.
Porém, antes de perderem força com a progressiva concentração de talentos e o êxodo precoce das ligas de prateleiras mais baixas no futebol europeu, os suecos ainda deixariam marcadas duas campanhas significativas na Liga dos Campeões nos anos 90. Na primeira, em 1992/93, ficariam em segundo lugar num grupo que incluía o poderoso Milan (que ganhou a única vaga com 100% de aproveitamento), o PSV e o Porto. Os Blåvitt inclusive derrotariam duas vezes os holandeses, em Gotemburgo e Eindhoven.
Já na segunda, em 1994/95, após bater o Sparta Praga na fase preliminar, o clube simplesmente terminou como líder de um grupo que reunia o Barcelona de Johan Cruyff e o Manchester United de Alex Ferguson, além de um forte Galatasaray. Derrotou os três adversários em Gotemburgo e ainda arrancou uma vitória na Turquia e um empate no Camp Nou. Só caiu nas quartas de final diante do Bayern de Munique pelos gols fora de casa, após dois empates: 0 a 0 no Olympiastadion e 2 a 2 no Ullevi. Mas caiu de pé.