Calciopédia
·24 de abril de 2020
Calciopédia
·24 de abril de 2020
Historicamente, a Roma teve dificuldade de emplacar goleiros na seleção italiana. Tanto é que apenas três – o bicampeão mundial Guido Masetti, Paolo Conti e Franco Tancredi – representaram a Nazionale em Copas, mesmo sem terem sido titulares. Principal arqueiro romanista dos anos 1990, Giovanni Cervone viveu situação parecida e nem chegou a ser convocado para defender os azzurri, ainda que se destacasse na meta giallorossa.
Ao contrário de tantos ídolos da Roma, Cervone não é oriundo da capital ou de suas cercanias. No início dos anos 1960, ele nasceu em Brusciano, região metropolitana de Nápoles, nas encostas do Vesúvio, e por lá mesmo deu seus primeiros passos no futebol. Em 1979, Giovanni começou na Juve Stabia, então na quarta categoria, e logo no ano seguinte passou ao Avellino, time também da Campânia que, na época, disputava a Serie A.
Pelos irpini, o goleiro amadureceu e teve a chance de estrear na elite. Porém, o jovem Cervone não recebeu muitas chances dos lobos e, após 12 partidas pela equipe, em 1983 trocou o Avellino pelo Catanzaro, equipe da Calábria que disputava a Serie B. O clube foi mal na temporada e acabou rebaixado com a última posição e a segunda pior defesa, mas Cervone se salvou. Mesmo com a queda para a terceira divisão, o titular da meta giallorossa chamou a atenção do Genoa, que também sofreu um descenso: vinha da Serie A para a B.
Cervone foi titular do tradicional time italiano por três temporadas, nas quais os rossoblù lutaram para retornar à elite, mas não obtiveram sucesso – ficaram apenas entre os sete primeiros entre 1984-85 e 1986-87. No verão de 1987, Giovanni foi comprado pelo Parma, time que também sonhava com a elite. Na época, os crociati eram comandados por Zdenek Zeman, treinador que fez história na Itália e em Roma, mas não deslancharam e ficaram no meio da tabela.
O goleiro campano, porém, conseguiu voltar à Serie A. É que a passagem pelo Parma foi curta e durou apenas pela temporada 1987-88. Depois de servir aos ducali, Cervone foi defender as cores do Hellas Verona, treinado pelo mítico Osvaldo Bagnoli.
Assim como havia acontecido em Catanzaro, Cervone foi um dos grandes destaques da campanha cambaleante do Verona, que se salvou do rebaixamento por apenas dois pontos. Absoluto na meta dos butei, Giovanni atuou nas 34 rodadas do campeonato 1988-89, sem desfalcar o time num minuto sequer. Depois do feito na equipe do Vêneto, Cervone foi o escolhido para substituir Tancredi na Roma. O clube capitolino foi atrás do arqueiro e, como parte do negócio, até emprestou o promissor Angelo Peruzzi ao Hellas.
Cervone teria oito temporadas com a camisa 1 da Roma, clube em que viveu os seus melhores momentos como jogador profissional. Sob o comando de Luigi Radice, foi titular em quase toda a temporada 1989-90, até sofrer uma lesão nos ligamentos do joelho. Se, por um lado, o problema abriu espaço a Tancredi nas rodadas finais da Serie A, e permitiu que o ídolo pudesse se despedir da torcida, Cervone perdeu a chance da carreira: era sondado para ser o terceiro goleiro da Itália na Copa do Mundo de 1990, mas Gianluca Pagliuca é que herdou a vaga.
Na Roma, a troca de comando ocorrida no verão lhe tirou a titularidade. Ottavio Bianchi o relegou a terceira opção depois que Peruzzi retornou do empréstimo. Com a suspensão por doping do seu novo preferido, o inconstante Giuseppe Zinetti assumiu o posto, mas o perdeu na 14ª rodada. O “gigante de Brusciano” voltava a ser o número 1 e teria espaço na parte decisiva da temporada. Se a Roma não foi bem na Serie A e ficou apenas com a nona posição, nas copas o time brilhou: venceu a italiana e foi vice-campeã da Uefa, perdendo para a Inter na final. Giovanni atuou nos quatro jogos decisivos das competições.
Em 1991-92, Bianchi confirmou Cervone como seu titular. O arqueiro mantinha a posição até passar por problemas físicos, no início do segundo turno, que o deixaram fora de combate por mais de um mês. Em maio de 1992, o arqueiro soltou o verbo em uma entrevista, afirmando que já estava recuperado da lesão e que não aceitaria a reserva por “não merecê-la”. O goleiro ainda proferiu mais frases fortes. “Não existe apenas a Roma e não me preocupo se não quiserem que eu fique: procuro outro time e está tudo bem”, disparou. Com franqueza, complementou: “sei que não deveria estar falando essas coisas, mas assumo a responsabilidade”.
O fato é que o goleiro e os romanistas se resolveram e, na campanha seguinte, Cervone voltou a ser titular sob as ordens de Vujadin Boskov. O cenário mudaria em 1993-94: a diretoria o afastou do elenco e ele nem mesmo participou da sessão de fotos oficial do elenco para a temporada. O técnico Carlo Mazzone, contudo, lhe disse para não desistir. Com dificuldades para retomar o posto no gol da Roma, Cervone voltou a demonstrar o seu temperamento explosivo e entrou em rota de colisão com os dirigentes.
O mal estar entre Cervone e a Roma não durou muito. Na 10ª rodada da Serie A, Mazzone o reintegrou ao time e o escalou como titular no lugar de Fabrizio Lorieri. Giovanni manteve a posição por dois jogos, até se desentender com Mazzone – que também é conhecido pela personalidade forte – e ser novamente colocado na geladeira. Os dois acabaram se resolvendo mais adiante e o gigante de Brusciano foi o camisa 1 no terço final do campeonato, concluído pela Roma com um sétimo lugar.
Em 1994-95, na segunda temporada de Mazzone pela Roma, Cervone teve o que descreve como seu melhor momento no clube, aditivado pelo melhor elenco de que fez parte em seus anos de casa. O grupo romanista tinha jogadores como Aldair, Amedeo Carboni, Fabio Petruzzi, Marco Lanna, Massimiliano Cappioli, Jonas Thern, Francesco Moriero, Giuseppe Giannini, Abel Balbo, Daniel Fonseca e Francesco Totti. Mesmo com esse timaço, jornais da época consideravam a equipe da Lazio melhor – entre as peças dos aquilotti, destacavam-se Luca Marchegiani, Giuseppe Favalli, Aron Winter, Roberto Di Matteo, Diego Fuser, Paul Gascoigne, Alen Boksic, Giuseppe Signori e Pierluigi Casiraghi. Uma eleição antes do dérbi capitolino chegou a escolher 11 celestes e nenhum giallorosso num comparativo posição a posição.
Romanista de coração, Mazzone preparou a partida de forma perfeita, ao mexer com os brios de seus jogadores e o resultado foi um 3 a 0 sonoro. Cervone participou pouco, mas quando foi chamado em causa fez ótima defesa ante Winter. O triunfo no clássico foi um dos pontos altos de uma campanha que a Loba encerrou com a quinta colocação na Serie A – mesmo posicionamento obtido em 1995-96, temporada em que o time da Cidade Eterna foi até as quartas de final da Copa Uefa.
Vivendo esse ótimo momento, Cervone teve uma nova oportunidade de defender a seleção italiana em 1995. Arrigo Sacchi, então treinador da Nazionale, ofereceu ao goleiro uma convocação em forma de tributo pela sua carreira: na época, o comissário técnico renovava o elenco azzurro, mas lhe abriria uma exceção. Giovanni, irritado, respondeu ao lendário comandante que não precisava de presentes, dando adeus a sua última chance de ser um selecionável. O gigante de Brusciano não era mesmo diplomático.
Em 1996-97, o arqueiro viveu uma última temporada melancólica na Roma. Carlos Bianchi lhe barrou em favor de Giorgio Sterchele e a escolha não deu muito certo: o jovem foi emprestado ao Cagliari e os aurirrubros colecionavam resultados negativos. Cervone retomou a titularidade ao fim do primeiro turno e contribuiu ao menos para que a equipe se salvasse do rebaixamento.
No final de sua carreira, Cervone se mudou para o Brescia, que defendeu na temporada 1997-98. Após o rebaixamento da equipe da Lombardia para a Serie B, o goleiro ficou sem entrar em campo e só voltou à atividade em 1999, quando foi contratado pelo Ravenna. Depois de uma campanha com o time romanholo na segundona, Giovanni pendurou as luvas, aos 37 anos.
Aposentado dos gramados, o gigante de Brusciano leva a vida como formador de novos goleiros. Cervone teve passagem pelas comissões técnicas de Avellino e Gallipoli, onde foi preparador de arqueiros, e depois supervisionou o mesmo setor na Unicusano Fondi, em 2016-17. Até hoje, o ex-jogador é lembrado com muito carinho pela torcida da Roma por seus feitos na meta capitolina e por seu temperamento sanguíneo, que combina com as cores quentes do brasão romanista.
Giovanni Cervone Nascimento: 16 de novembro de 1962, em Brusciano, Itália Posição: goleiro Clubes: Juve Stabia (1979-80), Avellino (1980-83), Catanzaro (1983-84), Genoa (1984-87), Parma (1987-88), Verona (1988-89), Roma (1989-97), Brescia (1997-99) e Ravenna (1999-2000) Títulos: Coppa Italia (1991)
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