Gazeta Esportiva.com
·02 de fevereiro de 2023
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·02 de fevereiro de 2023
Em Casablanca, o estádio Mohammed V treme com os cânticos dos torcedores do Wydad, que estendem um bandeirão nas arquibancadas no início das partidas, uma festa que viajará a Tânger e Rabat durante o Mundial de Clubes.
Os 10 mil “Winners” – torcedores do Wydad Casablanca – dão um show impressionante, à altura da fama das torcidas marroquinas, capazes de roubar o protagonismo dos jogadores no campo.
Na bandeira, a mensagem “Free Souls” (almas livres), o lema do grupo.
Atual campeão continental da África, o WAC – como é conhecido o Wydad – tem a ambição de surpreender no Mundial de Clubes, até então vencido apenas por equipes europeias e sul-americanas.
Sua campanha começa no sábado contra o Al Hilal da Arábia Saudita, em busca de uma vaga nas semifinais contra o Flamengo, na próxima terça-feira, em Tânger.
“Não saberia descrever meu amor pela torcida do Wydad, é algo muito especial”, diz à AFP Houssam Ait Wahman, um torcedor de 18 anos.
“Nenhuma torcida do mundo pode rivalizar com a nossa”, continua Wahman, acompanhado de sua mãe e suas duas irmãs.
Como se fossem maestros de uma orquestra, os “Winners” – considerados o melhor movimento de torcida em 2022 pelo grupo Ultras World, referência nas redes sociais – cantam, acendem sinalizadores e movem as luzes de seus celulares em uma coreografia ensaiada.
“Apoiar o Wydad é uma paixão, um compromisso que vai além do futebol. Damos o melhor de nós defendendo valores como o respeito, a família e a solidariedade”, explica Mohamed, um antigo ‘Winner’ que prefere não revelar seu sobrenome.
Os torcedores do grande rival, o Raja Casablanca, também são conhecidos por suas festas nas arquibancadas.
“Criar espetáculo é a marca das torcidas. Uma maneira de se expressarem, de se fazerem ver”, ressalta o sociólogo marroquino Abderrahim Bourkia, autor de um ensaio de referência, “Ultras na Cidade’.
As organizadas do Raja, “Green Boys” e “Ultra Eagles”, frequentemente viralizam nas redes sociais. Foi o caso do “FBladi delmouni” (Oprimido em meu país), um cântico que denuncia as desigualdades e a injustiça no Marrocos.
Na Argélia, os manifestante do movimento de protestos populares Hirak o cantavam em 2019 e 2020. O hino também foi adotado pelos palestinos.
“O modelo do Raja tende a uma cultura militante, dado voz aos sem voz, contra a opressão e denunciando a corrupção”, ressalta um antigo ultra do Raja.
Outras letras engajadas são cantadas pelos torcedores do Wydad e do Ittihad Tanger, com os estádios se transformando em “espaços de expressão”, explica Bourkia.
País fanático por futebol, o Marrocos vive um momento de euforia coletiva depois que sua seleção chegou às semifinais da Copa do Mundo e terminou o torneio na quarta colocação, a melhor campanha de um país africano. Lá, a criatividade dos torcedores não tem limite.
Se os “Winners” preferem a estética, com referências à cultura – a série Game Of Thrones ou o anime Death Note -, os “Green Boys” e os “Ultra Eagles” levam aos estádios temas mais inesperados.
Nos clássicos contra o Wydad, os torcedores do Raja se inspiram no dramaturgo franco-romeno Eugene Ionesco e no livro ‘1984’, a distopia antitotalitária de George Orwell, com o risco de provocar as críticas dos veículos de imprensa conservadores ou de proibirem seus bandeirões.
“Fazer parte das organizadas é uma experiência única. Estar em um local de intercâmbio, se sentir escutado, é algo que forja uma personalidade”, diz um torcedor do Raja.
A parte negativa é que os estádios marroquinos são frequentemente palco de atos de vandalismo, principalmente brigas entre grupos opostos de torcedores.
Depois da morte de duas pessoas em 2016, as autoridades proibiram as torcidas organizadas nos estádios durante dois anos.
“Infelizmente é um problema ligado à sociedade. Há um efeito de manada, quando apenas uma pessoa faz uma besteira, tudo é desencadeado”, explica Mohamed.
“Alguns liberam sua frustração com cânticos e outros com violência”, diz Bourkia, para quem a solução é “investir na educação dos jovens”.
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