Última Divisão
·02 de julho de 2022
Última Divisão
·02 de julho de 2022
O torcedor mais jovem só se acostumou à ideia de ver o Cruzeiro na primeira divisão do Rio Grande do Sul no começo do século XXI. Campeão da Divisão de Acesso em 2010, o Estrelado disputou o Gauchão entre 2011 e 2018, quando foi rebaixado.
A história do clube, porém, tem capítulos de bastante destaque. Campeão gaúcho de 1929, o time foi uma potência estadual na primeira metade do século XX, e esteve na primeira divisão estadual entre 1961 e 1979. Não bastasse isso, ainda é uma das poucas agremiações da história que podem se gabar de já terem vestido uma seleção em um jogo de Copa do Mundo.
Aconteceu, é claro, em 1950. Naquele ano, o Mundial foi disputado no Brasil e reuniu 13 seleções, divididas em quatro grupos na primeira fase – o melhor de cada grupo iria para o quadrangular final.
O Grupo 1 tinha Brasil, Iugoslávia, México e Suíça, e os brasileiros garantiram a classificação com alguma dificuldade. A vaga na fase final só veio na terceira rodada, após vitória por 2 a 0 em confronto direto com os iugoslavos.
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Enquanto Ademir e Zizinho marcavam para o Brasil no Maracanã, as outras duas seleções do grupo mediam forças em Porto Alegre: Suíça e México. As duas equipes, já eliminadas, apenas cumpriam tabela no Estádio dos Eucaliptos, à época estádio do Internacional.
Mas eis que pintou uma confusão cromática naquele jogo. Enquanto a Suíça vestia sua tradicional camisa vermelha, adotada desde 1895, o México vestia sua camisa grená, cor do uniforme titular da equipe entre as décadas de 1920 e 1950. E aí vale uma explicação: por que o México jogava de grená?
“Em 1923, um grupo de jogadores foi chamado pela primeira vez para integrar uma seleção nacional representativa do futebol mexicano. Naquela ocasião, a resolução de escolher um uniforme para eles também foi tomada por acaso”, explicou por e-mail ao Última Divisão o historiador mexicano Carlos Calderón Cardoso, autor de livros como México 1986: el proyecto de Bora, Los once hermanos: el campeonísimo Necaxa e América: 365 histórias.
“O senhor Jesús Salgado, um dos principais dirigentes da Federação Mexicana de Futebol, concordou em se reunir com José Martínez Ceballos, que atuou como conselheiro e delegado do Comitê Olímpico, para discutir sobre os uniformes que as delegações mexicanas usariam para os Jogos Olímpicos de 1924. A partir dessa conversa, ficou claro que não era costume usar as cores da bandeira, então Salgado, já reunido no campo do clube España, decidiu junto com Rafael Garza Gutiérrez, jogador e capitão da seleção, que usariam um uniforme vermelho vivo, quase vermelho cereja, com um tom branco na gola e na renda que fechava a camisa na altura do peito. Os calções, quase bermudas, seriam completamente pretos e as meias que cada um tinha, embora fosse recomendado aos jogadores que, se pudessem ser escuros, melhor.”
De volta à questão do Suíça e México de 1950. Com camisas parecidas, a primeira alternativa para resolver a questão entre as duas seleções seria utilizar a camisa do clube dono do estádio – mas as camisas vermelhas do Internacional não resolveram a encrenca. O jeito seria recorrer a vizinhos.
À época, o Cruzeiro mandava seus jogos no Estádio da Montanha, a cerca de 3 km do Estádio dos Eucaliptos. Após uma reunião entre representantes da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF) e das duas seleções, ficou decidido que o vencedor de um sorteio vestiria as próprias camisas. O México venceu, mas optou por vestir as camisas do Cruzeiro em gesto de cavalheirismo aos suíços.
“Naquele tempo, os clubes não tinham duas ou três camisetas. As seleções não tinham uma alternativa”, explicou Carlos Matzenbacher, historiador do Cruzeiro, em entrevista ao GE em 2016. “A escolha foi por proximidade. As novas camisas não tinham o símbolo do Cruzeiro-RS, já que o escudo era fixado na hora”, completou.
Assim, o México entrou em campo com as camisas do Cruzeiro, e calções e meiões do uniforme original – calções azuis e meiões grenás. A Suíça vestiu camisas e meias vermelhas, com calções brancos.
“Os mexicanos acusaram a má preparação – não só no que foi feito em campo, mas também fora dele. O representante nacional, como qualquer outro, era obrigado a usar dois uniformes para a Copa do Mundo. O México obedeceu, mas infelizmente ambos os uniformes eram idênticos, ou seja, uma camisa vermelha – para a cereja do bolo – com shorts azul marinho”, explicou Cardoso.
No fim, os europeus venceram por 2 a 1, com gols de René Bader e Charles Antenen – Horacio Casarín fez o dos mexicanos. No entanto, do jogo daquele 2 de julho de 1950, no entanto, quase nada sobrou. O Estádio dos Eucaliptos foi demolido em 2012, dando lugar a um condomínio. O Estádio da Montanha fechou as portas em 1970 e virou um cemitério, inaugurado em 1972.
As camisas daquele jogo, nem mesmo o Cruzeiro sabe onde foram parar. “Por fim, as camisas foram posteriormente lavadas e devolvidas ao clube”, explicou o historiador mexicano, que afirma que aquele jogo se tornou “como uma mera anedota que ainda é lembrada”.